Sem entender bem a presença de alguns ritmos “alienígenas” que andam tocando nas festas juninas pelo Nordeste, suspiro e lembro de Luiz Gonzaga e Zédantas, que imortalizaram as lembranças dos folguedos sertanejos na bela canção “Noites Brasileiras” (1954):
[…] Ai, que saudades que eu sinto
Das noites de São João
Das noites tão brasileiras nas fogueiras
Sob o luar do sertão.
Nesses versos, o sentimento saudosista é provocado pelo distanciamento do espaço nordestino onde se festejava o verdadeiro, ou seja, o tradicional São João. Mesmo que não tenhamos toda a pujança do passado, defendo que a noite junina continue a ser uma data festiva com significado cultural muito forte, já que é o momento de realização de práticas folclóricas e religiosas muito caras aos nordestinos. Na noite dedicada ao santo, dança-se o forró, lançam-se fogos de artifício, formam-se quadrilhas juninas, e fogueiras são postas em frente às residências em homenagem a São João do carneirinho. Foi ele quem anunciou ao mundo a chegada do cordeiro de Deus, Jesus: ecce Agnus Dei qui tollis pecata mundi! (eis o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo!).
Na canção citada, podemos observar ainda a riqueza de alguns sentidos:
[…] Meninos brincando de roda
Velhos soltando balão
Moços em volta à fogueira
Brincando com o coração
Eita, São João dos meus sonhos
Eita, saudoso sertão.
Luiz Gonzaga e Zédantas usam palavras representativas dos costumes rurais nordestinos para demonstrar a participação de crianças, jovens e idosos em brincadeiras típicas da roça que mantinham acesa a chama das tradições juninas no sertão: brincar de roda, brincar com o coração e soltar balões.
Brincar de roda é uma tradição de origem lusitana que chegou ao Brasil e tem o sentido de cantar, girar de mãos dadas em círculo. As músicas de brincadeiras de roda são sempre “vivas, arrebatadas, impulsivas, folionas”, em tons maiores, “[…] estimuladores de movimento e de vida”, como nos ensina Cascudo.
Brincar com o coração é uma expressão idiomática que assume o sentido de “paquerar, flertar, namorar”. Os namoros no Sertão começavam com olhares e gestos sutis. Depois, evoluíam para encontros secretos, após esquivas estratégicas da vigilância dos irmãos ou dos genitores da moça cortejada. Os encontros sociais, sempre supervisionados, ocorriam em igrejas, quermesses, festas juninas e alguns bailes de forrós selecionadíssimos, nos quais era proibida a entrada de mulheres “faladas”, ou seja, difamadas. Chegar a tocar na futura noiva já era algo mais difícil.
Na casa da pretendente, o casal não ficava juntinho. O compositor Onildo de Almeida, – parceiro de Gonzaga na canção “Feira de Caruaru” -, me contou que os pretendentes costumavam sentar à mesa em cantos opostos, vigiados pelos pais e pelo “alcoviteiro”. Em tempos de cidades sem energia elétrica no interior, “alcoviteiro” era o nome dado para o candeeiro de latão com pavio ardente, mergulhado em querosene. Recebia o nome de alcoviteiro, porque, colocado sobre a mesa, iluminava a sala escura e funcionava como “intermediário entre os namorados”, alcovitando o namoro.
Que não se percam as tradições das nossas noites tão brasileiras!