“A crítica deve ter a missão nobre de um bisturi em mãos de um cirurgião”
Felix Caignet
A Universidade Federal do Rio Grande do Norte, através da sua editora EDUFRN, disponibiliza de forma gratuita, o livro digital “Escravidão no Rio Grande do Norte”, um trabalho que teve a organização de Juliana Teixeira Souza e Margarida Maria Dias de Oliveira. Para baixar o livro é só clicar aqui Livro.
Na página do repositório da UFRN lemos o seguinte resumo da obra:
“Esta obra inaugura a série “Produtos didáticos para o ensino de História”, resultado de um projeto de ensino coordenado por professoras do curso de História da UFRN, com participação de alunos e alunas licenciados, com o objetivo de contribuir de forma propositiva para os debates sobre o ensino de história e de cultura da população afrodescendente, numa perspectiva atualizada e tendo a metodologia da pesquisa histórica como referência. Como resultado desse trabalho, apresentamos para professores da Educação Básica e estudantes de licenciatura sete propostas de sequências didáticas e recursos didáticos produzidos exclusivamente para esta publicação. Antes das propostas de sequência didática, apresentamos dois breves textos, sobre ensino-aprendizagem de História e escravidão negra no Rio Grande do Norte, com algumas informações sobre população, trabalho e formas de resistência.”
Quero chamar a atenção das autoras organizadoras para o material que foi usado que tem como título “Cordel dos Desiguais”, presente nas páginas 70 a 72. Aqui, infelizmente, não tiveram as organizadoras o cuidado de realmente analisarem se o texto estava em conformidade com as regras da literatura de cordel. O texto em questão é da autoria de Francisca Rafaela Mirlys e Ísis de Freitas Campos.
Entre algumas características da literatura de cordel existem três que são indispensáveis: métrica, rima e oração. E isso está até presente no livro acima, página 48:
O que vem corroborar que as organizadoras não se debruçaram na análise estrutural do que aparentemente é um cordel, trazendo para a obra um texto absurdamente desmetrificado. Não há revisores capacitados na UFRN para saber reconhecer um cordel?
O poema possui vinte estrofes em forma de sextilha, portanto 120 versos. Fiz a análise aplicando o que chamo de Tabela Beradeiriana e o resultado no tocante à métrica foi terrivelmente este:
Estrofe 1 – zero de métrica
Estrofe 2 – zero de métrica
Estrofe 3 – 1 verso metrificado
Estrofe 4 – zero de métrica
Estrofe 5 – 2 versos metrificados
Estrofe 6 – 1 verso metrificado
Estrofe 7 – 1 verso metrificado
Estrofe 8 – 1 verso metrificado
Estrofe 9 – zero de métrica
Estrofe 10 – 2 versos metrificados
Estrofe 11 – zero de métrica
Estrofe 12 – zero de métrica
Estrofe 13 – zero de métrica
Estrofe 14 – zero de métrica
Estrofe 15 – zero de métrica
Estrofe 16 – 3 versos metrificados
Estrofe 17 – zero de métrica
Estrofe 18 – 2 versos metrificados
Estrofe 19 – zero de métrica
Estrofe 20 – zero de métrica
Diante do quadro acima, onde não há nenhuma estrofe totalmente certa na metrificação, chega-se a um percentual de 21,66% de acertos na métrica, índice muito baixo. Nem quero escrever sobre outros fatores que também comprometem classificar este poema como cordel, tais como a ausência de poética, a oração, coerência, etc.
Minha pretensão não é ferir as organizadoras, nem tampouco as autoras do texto em crítica. Preocupa-me, sim, saber que esse livro vai chegar às mãos de muitos formadores, que vão lê-lo e achar que ali está verdadeiramente um cordel.
Fica a dica para que quando se tratar de publicação que contenha o cordel brasileiro, a instituição tenha mais cuidado e, na dúvida, procure quem de fato entende do assunto.