“Modern Ipa”: a atualização de estilos cervejeiros

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Saudações, cervejeiros!

Como já tentei deixar bastante claro em textos meus anteriores aqui na coluna do blog, a cultura cervejeira é um ambiente de alta mutação e evolução. Historicamente, muitos estilos surgiram, outros definharam e alguns outros se moldaram, sofrendo algumas alterações em suas apresentações originais.

Dessa forma, não há de se espantar que, ao longo dos anos (e nem precisam ser períodos de tempo muito extensos para que isso ocorra) os estilos cervejeiros sofram alterações e até mesmo mesclas entre dois estilos similares, para, sinteticamente, darem vida a um terceiro estilo.

É mais ou menos o caso que ocorre com aquilo que está sendo denominado, no marketing cervejeiro atual como “Modern IPA” (por vezes, também grafada como “American Modern IPA”). Ou seja, é como se fosse uma atualização da (American) IPA, agregando perfis e propostas diversas que já existiam, propondo uma mescla, com um toque sutil de “modernização”.

Assim, no texto de hoje vamos resgatar algumas das raízes históricas da IPA para poder compreender melhor como se dá esse processo de “atualização” do estilo, e quais as perspectivas futuras que a mencionada alteração (ou modificação modernizadora) é capaz de prover ao estilo preferido da maioria dos cervejeiros.

Saúde!

English IPA e WC IPA: as IPA’s mais “antigas”

De maneira dual, respeitando os princípios da lógica clássica, para haver uma modernização de algo, certamente, temos que perscrutar o que seria o elemento “antigo” a ser superado ou atualizado, em um eufemismo mais recorrente.

Quando se observa a evolução estilística das cervejas do estilo IPA, não é difícil apontar que os exemplares mais antigos seriam a English IPA (carta praticamente fora do tap list de qualquer brewpub ou do portfólio de qualquer cervejaria que vise o lucro) e a WC IPA, ou West Coast IPA, que seria a primeira atualização operada nas English IPA’s, após o desenvolvimento dos lúpulos no Novo Mundo.

Todavia, no mercado cervejeiro atual, ambos os estilos já são considerados quase que peças de museu. É muito raro, ao menos no Brasil, ver alguém desbravando esses estilos, principalmente se for uma English IPA.

A falta de costume em produzir tais estilos leva ao curioso caso que os cervejeiros da atualidade acabam sem ter noção de como produzi-los. Seja por falta de base de referência ou pela pouca prática mesmo, quando alguém se dispõe a fazer os mencionados estilos acaba falhando miseravelmente.

Por causa dessas produções pouco fiéis aos estilos, acredito eu, que veio a atualização sistemática para denominar as IPA’s mais recentes de Modern IPA’s.

Modernizando o dissenso do antigo

Decerto, inexiste, tecnicamente, um estilo nomeado como “Modern IPA” (pesquisando encontrei uma menção de 2001 ao termo na “All About Beer Magazine – Volume 22, Número 1”; todavia, o contexto era diverso do apresentado agora, pois tratava genericamente as IPA’s britânicas como tradicionais em detrimento das americanas como sendo “modernas” ou “craft”). Inobstante, muito mais interessante que fazer cervejas estritamente fiéis aos estilos propostos, o mercado cervejeiro está muito mais tendente a fazer cervejas que agradem ao público, e com nomenclaturas de estilo que se identifiquem com as propostas dadas.

Dessa maneira, produzir uma Modern IPA atende muito mais aos pressupostos de quem está interessado em beber uma IPA (mesmo que não se importe tanto com a fidelidade aos estilos) do que tentar reproduzir uma English IPA ou uma WC IPA com esmero e perfeição. A primeira nomeação clara do termo, em 2017, feita no batismo da cerveja nomeada Modern IPA, pela cervejaria EvilTwin abraça fortemente essa ideia.

Trilhando esses passos, ainda que não exista uma definição canônica do que é uma Modern IPA, arrisco dizer que ela é qualquer IPA, que tenha traços (ainda que vagos de uma English ou de uma WC IPA) e que use uma lupulagem mais moderna própria do estilo Hazy IPA.

Claro que a diferenciação entre uma English e uma WC é salutar, contudo, no texto de hoje não me debruçarei sobre elas, já que basta as suas nuances principais para que uma Modern IPA seja concebida.

Isto é, pegando a estrutura básica de uma WC IPA, como corpo baixo, amargor mais pronunciado e uma base caramelada, fazendo as alterações necessárias no seu padrão e colocando lupulagens mais recentes, com notas altamente frutadas, cítricas e com um pouco de dank, é possível remodelar o estilo, dando-lhe a roupagem moderna pretendida.

Diversificando e dando acesso à IPA pela modernização

Por mais que origem do advento da Modern IPA resida na dificuldade cervejeira em reproduzir os estilos tidos como mais “antiquados”, um dos seus efeitos práticos é a diversificação de um estilo cada vez mais tendente à mesmice e ao marasmo e também o maior acesso à revisitação dos estilos de IPA “antigos”, ainda que repaginados pela modernização.

É difícil denotar se ambos os efeitos são intencionais ou apenas vêm a reboque do que a mescla dos estilos de IPA’s é capaz de produzir. Independentemente disso, o fato é que há uma consequente variação da já manjada repetição de cervejas exatamente iguais, mas que no rótulo os lúpulos são alterados, sempre exaltando algum lúpulo da moda.

Não há dúvidas que a exaltação ao lúpulo modinha não se encerrou (nem se encerrará em um futuro próximo), todavia, a variação operada na base maltada, as modificação estilísticas da fermentação e demais elementos reminiscentes à English IPA ou a WC IPA já são capazes de trazer alguma variedade à cultura cervejeira artesanal.

De maneira semelhante, ainda que por caminhos diversos, o surgimento da Modern IPA é capaz de trazer maior acesso ao que se imagina ser um estilo de IPA mais antiquado, quem sabe isso também não fomente, futuramente, a produção de cervejas mais fiéis aos mencionados estilos.

A própria percepção mais caramelada em algumas Modern IPA’s ou o impacto de amargor mais presente em outros exemplares já fogem do padrão das Hazies. Isso por si só é um ganho de acessibilidade a qualquer outro estilo, que não seja aquele já tornado padrão no mercado cervejeiro atual. Ademais, a prevalência do perfil lupulado mais atualizado ajuda ainda mais nessa sensação de acessibilidade, pois traz familiaridade a quem está degustando a cerveja, trazendo um ar de conexão com os aromas e sabores que são mais de seu costume e de seu consumo também.

Saideira

Derradeiramente, há duas formas de enxergar a novidade do marketing gerado pelo surgimento da Modern IPA. Um deles, é observar que por não haver espaço no mercado cervejeiro para modalidades de IPA’s consideradas “ultrapassadas”, e pela inabilidade dos cervejeiros em reproduzi-las, a modernização do estilo IPA é na verdade uma reprodução mambembe de estilos clássicos. Esse é um ponto de vista plausível.

De outra banda, pode-se imaginar que o fenômeno da Modern IPA é uma resposta natural e evolutiva da necessidade de se remodelar estilos já um tanto quanto decadentes. Por meio das propostas de atualização e com sua remodelagem por meio do uso de novos lúpulos, consegue-se, de pronto e de maneira dual, dar mais acesso aos estilos derrocados e também prover uma lufada de ar fresco ao diversificar um pouco a saturação já prevalente nos mais diversos rótulos de IPA atualmente no mercado.

Essa visão é um pouco mais amistosa e congrega de forma mais harmoniosa com a própria etimologia do termo empregado, já que, a princípio, quando se atualiza algo está se pretendendo melhorar, ou, de alguma forma, trazer um implemento aquilo que está sendo gestado como algo novo na cultura cervejeira.

Independente de qual visão seja a adotada, o fato é que cada vez mais novas cervejas que carregam a nomenclatura de “Modern IPA” estão sendo feitas, seja para o desagrado dos cervejeiros que tem um paladar mais clássico, quer seja para diversificar e modernizar o estilo, tal como aludido e pretendido.

Recomendação Musical

Continuando na perspectiva oitentista da última recomendação musical, a de hoje faz uma referência explícita à temática do texto, já que a banda recomendada tem “Modern” no seu nome.

Vamos então com a sublime canção do duo alemão de New Wave/Synthpop Modern Talking, com sua canção mais representativa: Cheri Cheri Lady.

Saúde!

 

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

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A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

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