Lua, te amo. Virgulino, te quero

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Lá vai o Rei do Baião no trem da fumaça embarcando o povo brasileiro nos 4 cantos do “País de São Saruiê” (Vladimir Carvalho, 1971) e mais em um monte de lonjuras pra lá dos limites do Brazuca.

Eu tava com 5 anos quando meu pai me levou pra assistir um show de Gonzaga, em João Pessoa. O autor de “Asa Branca” gostava de contar causos engraçados entre uma música e outra. Naquele dia, encostou o fole e explicou pro povão o que era o comunismo. Disse que zanzava por Exú mais seu vô e viram um jumentinho na pracinha da cidade, aquele pau do tamanho de “ai que saudades de Pernambuco” batucando na barriga enquanto o bicho relinchava avisando que já era meio dia. “Vô oia ali, oia praquilo!”. “Ô menino largue de ser besta, aquilo é o co-mu-nis-mo!”.

Não tem jeito não, Gonzaga e Virgolino pintam a lua, o sol, o chapéu de couro, as ilusões dos descampados, o calor sangrento, a fartura, a penúria e o povo brasileiro do jeito que o Deus e o Diabo gostam.

Lampião era outro imperador da maldade. No dia que amanhecia insosso, espetava bucho de latifundiário no seu punhal fininho e alongado. Em Poço Redondo onde mataram o coisa ruim mandaram construir a praça do Lampião e gravaram um verso que dizem que saíra da pena de um ex-prefeito da cidade: “Me chamo Virgolino Ferreira Lampião. Manso como um cordeiro. Bravo como um leão. Trago o mundo em rebuliço. Tenho a cabeça de trovão”.

Luiz Gonzaga era um caso especial, mascava rapadura e fazia bola como se fosse chicletes Ping-Pong. Ploc para o amor da rainha Maria Bonita. E ploc para o vozeirão que cantava a saga do cangaço com os óinhos cheios d’água.

A morte chegou de tocaia. Nas primeiras horas do dia, a volante fuzilou Lampião e mais 9 cangaceiros. Em Poço Redondo ouvi os netos dos matadores jurando que Maria Bonita escapou com vida, mas logo teve sua cabeça decapitada como nos sertões de Antônio Conselheiro, gravata vermelha a peixeira amolada separando cabeça do pescoço.

Vi os farrapos humanos sem vida, só suas cabeças cortadas ao longo da escadaria da antiga Prefeitura de Piranhas, que horror! O sol lá no alto mais a sombra espraiada batentes afora. Haja silêncio vindo das perigosas profundezas do velho Chico. Vi que foi ali por perto que Domingos Montagner se afogou. Ei, Monta, tu eras bom de trapézio, tu e Monga (Fernando Sampaio) pintavam e bordavam no picadeiro do Circo Zanni. Abraçados, no final do espetáculo, essa dupla infernal saudava o povo clamando “viva o circo, o circo é pra sempre!”.

Enquanto o triângulo, a zabumba, o fole, o Lua e o estardalhaço dos tirombaços do bando de Virgolino resumiam tudo em poucas palavras: “Dormir ao som do chocalho. E acordar com a passarada. Sem rádio nem notícia. Da terra civilizada. Sem rádio nem notícia. Da terra civilizada.”

Marcius Cortez

Marcius Cortez

Cinco livros publicados e o jogo ainda não acabou. Escrever é um embate que resulta em vitórias, derrotas e empates. O primeiro livro de Borges vendeu apenas 37 exemplares. O gol é quando encontramos um significado que melhore a realidade.

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