O escritor e estudante de Direito João Manoel Medeiros lança seu primeiro livro de contos, iniciando sua carreira literária. Publicado pela Editora Escaleras, “entre cacos e pregos” reúne vinte narrativas acerca da angústia adolescente ao perceber o mundo em que vive e a iminência de sua homossexualidade. Unindo questões contemporâneas como a efemeridade dos afetos e a internalização da discriminação, o livro está disponível ao público a partir deste mês de maio com as vendas diretamente com o autor.
Enovelando o misticismo do sentir numa escrita experimental, a obra é dividida em duas partes. Os Cacos, protesto direto à volatilidade das relações, a irrealidade dos amores inventados e a agonia das ausências jamais supridas, em despojadas narrações carnais expondo a proximidade temática e afetuosa do autor pela literatura homoerótica de Caio Fernando Abreu. Os Pregos, em contrapartida, manifesto ao mundo ruído em descoberta e desejo e à fragilidade sanguínea das relações parentais; com o juramento de reinvenção, se apresentam intensos fluxos de consciência em êxtase epifânicos, demonstração de sua influente predileção e quase devoção por Clarice Lispector.
O livro traz horizontes crus da violência estrutural ao retratar as marginais narrativas de jovens e adolescentes gays que se escondem em penumbras por temor à vida, como no conto “Lâmpada”: “Desde os quinze, todos os beijos têm gosto de sangue”; por temer também a perda de seus afetos: “Mãe, eu te amo, por favor, me ame.”, descrito em “Carta”. “entre cacos e pregos” nasce da necessidade do grito de todos os narradores, que caóticos, epifânicos, sentimentais, são lançados a um sistema de autotortura.
Entre os vários elementos que inspiraram o autor na primeira parte está a paixão não-correspondida por um próximo amigo heterossexual e seu gradual afastamento, a saciedade dos desejos de perenidades ejaculadas e o amor por seu atual namorado, com quem sofreu inúmeras situações de discriminação em vias públicas como paradas de ônibus e shopping center.
Quanto à segunda parte, a influência da sua formação cristã e a dialética amputação de seus valores ao perceber o mundo, típicas da idade de escrita e de narração, se misturam com vivências familiares de violência doméstica, ausência paterna, rejeição materna por homofobia, e pontos de alívios como a proximidade com sua avó e amigos.
Mais que sêmem e sobejo
Segundo o escritor, seu desejo é “[…] somar numa ciranda iniciada há tanto tempo, mas ainda temos LGBTQIA+ sendo expulsos de casa, além de ajudar na derrubada do que nos violentam, estigmas de quem nos vê como depósito de esperma: merecemos muito mais do que sêmen e sobejo”.
Circulando pelos mais diversos espaços, boates, bares, aplicativos, o autor observou que “em trânsito, os rostos mudam, nas boates luxuosas, os classe média beijam seus semelhantes; no Beco da Lama, outros choram a indiferença a seus corpos, por isso, escrevo sem epiderme, derme ou hipoderme, sempre em carne-viva.”
A edição da Editora Escaleras conta ainda com o etéreo beijo no desenho de capa de Bruno Brum e Tatiana Perdição, entre rabiscos caóticos que perseguem as páginas diagramadas por aquele. Além da quarta-capa onde, cabe ao leitor decidir se um beijo se torna vários ou vários se tornam um em lascivo tom de vermelho-grená, este que colore os lábios de batonescos e azul-escuro.
Segundo Gustavo Tanus, doutorando em literatura pela UFRN, autor de “A Hagbe que nos guarde…”, que assina o posfácio ressaltando a maturidade de escrita em prodígio: “A tessitura literária joãomanuelina é mediada por um olhar contemporâneo, este que mantém a atenção no tempo presente – repleto de assombros, estupefações, ruínas e escombros […]. É um livro, portanto, sobre o ser humano diante do abismo.”
João Manoel Medeiros
O autor é de Natal, aos seus vinte anos de sonho e de sangue, e de caos sul-americano, tem investido suas últimas energias juvenis no combate ao fascismo. Suburbano, gay, caótico, intenso e re-criador da realidade, orgulhosamente prosista potiguar. Mistura incomum de melancolia e ironia, aluno do curso de Direito da UFRN, amante de Clarice, fã de Renato, escreve com o corpo a sinceridade do que vive, pensa e sente. entre cacos e pregos é seu primeiro livro, uma mensagem dos fundos de suas retinas às de quem lê.
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Muito bom!