O mestre Mário Quintana, disse, certa vez: “Esquece todos os poemas que fizeste/Que cada poema seja o número um”. Compreendemos através dos versos do genial poeta gaúcho a sugestão de criar, de se surpreender, de se espantar com novos versos. Rememoramos Quintana após termos lido os poemas de R. Leontino Filho em “Anatomia do Ócio” (ARC Edições, 2018) percebendo bem o imenso potencial de criação, o poder intrigante e transformador da poesia. Seja pela mobilização da fantasia, seja para aliviar uma dor, pelo prazer da leitura ou até mesmo para desvendar os homens a poesia, nos deixar nus diante da existência; é uma arte essencial ao ser humano e, como tal, revela muito do que somos e como somos hoje e sempre.
Essas virtudes encontram-se nos poemas do livro de Leontino. A multiplicidade de temas, o acentuado detalhe de construção dos versos demonstram, algumas vezes, as inúmeras possibilidades a que um poema pode nos levar. Como, por exemplo, uma viagem pelo tempo e pela memória, no poema FEITO PRECE.
Toda infância é grandeza
muito laço apertado
p´ra mover um pouco
os perigos do mundo.
Cada infância é um pouco
dessa epopeia cansada
no muito habitar os rigores
graúdos da poesia.
(…)
Em seus versos Leontino resgata um pouco da infância, que fica dentro de cada um de nós; e por vezes, parece nos levar a uma reflexão sobre essa infinita busca intima.
Embora seja clichê, citamos a propósito, outro gênio, Fernando Pessoa, que registrou em um dos seus mais famosos versos: “… O poeta é um fingidor/Finge tão completamente/que chega a fingir que é dor/a dor que deveras sente…”
Eu, e você, caro leitor, temos certeza de que o grande poeta português não poderia estar mais certo. Vejamos um trecho de um dos poemas de Leontino:
NÁUGRAFO
a dor resiste
em rúinas
imutável
a dor encobre
em cartas
indiferente
a dor recua
em fronteira
sequiosa
a dor desconhece
em farsas
soturna
a dor aprisiona
em derrotas
frágil
.(…)
Lendo trechos desse poema sentimos a dor do eu lírico, ao mesmo tempo que questionamos a nossa própria dor e nos identificamos com ela.
Também é importante dizer que ler R. Leontino Filho nos fez relembrar uma frase dita por Umberto Eco, que definiu o efeito poético como a capacidade que um texto oferece de continuar a gerar diferentes leituras, sem nunca se consumir de todo. Esta é a sensação causada pela leitura de “Anatomia do Ócio”, onde o signo verbal se transforma a cada nova leitura.
Bachelard, filósofo e poeta francês disse em uma das suas obras que a poesia sob sua forma simples, natural, primitiva, longe de qualquer ambição estética, de qualquer metafísica, seria uma espécie de alegria do sopro, uma evidente felicidade de respirar. Eis que o leitor encontra este sopro poético nos versos do livro em foco.
A poesia de Leontino navega entre diferentes temáticas: memória, erotismo, outras imagéticas, dentro de seu campo de visão e interpretação interior. Algumas vezes, metafísica, em certos momentos com versos mais longos; outras vezes, sucinta, muitas vezes clara, outras mais enigmática e ainda, outras vezes, de difícil interpretação. Com frequência, o poeta é direto. mas, não raro, precisamos de uma chave para desvendar o seu poema.
A escritora portuguesa Rita Ferro disse, certa vez. “A filosofia é fascinante, mas a poesia, com menos papel, faz as mesmas perguntas”. “Anatomia do Ócio”, navega por esse mesmo caminho; sentimos isso sobretudo quando lemos poemas como PARTIDA INTEIRA, FIO, DE (NÃO) PODER SER PALAVRA, dentre outros.
Saudamos a volta do poeta em grande estilo, e deixamos para os leitores um trecho de A TOADA DO NAVEGANTE, (página 63 do livro), concordando com o que disse Rita Ferro:
Pequeno é o mar
para uma vida tão curta.