FRAGMENTOS DE UM JORNAL LITERÁRIO
As novas gerações não sabem quem foi Humberto de Campos (1886-1934), escritor aclamado por volta dos anos 30 e 40, membro de Academia Brasileira de Letras. De sua vasta obra, apenas as memórias e o diário têm resistido ao tempo.
Seu Diário Secreto, em dois volumes (1954, 2ª ed. 2010) contém revelações de bastidores, interessantíssimas para a história política e cultural do Brasil. Vale dizer que, além de escritor, Humberto de Campos exerceu mandato de Deputado Federal pelo Maranhão, sua terra natal.
No Diário Secreto, que estou lendo, consta episódio, que me chamou atenção, por envolver a ilustre figura de Juvenal Lamartine, Presidente (Governador) do Estado do Rio Grande do Norte, deposto pela Revolução de 1930.
HC afirma que o Presidente Washington Luís, sabendo da vinda de Lamartine ao Rio de Janeiro, então capital federal, exclamou, irritado:
“– Que é que ele vem fazer aqui? Só se vem, com os outros, expor na Avenida Central a prova de sua pusilanimidade”. (*)
E no mesmo tom:
“– Diga-lhe que desembarque na Bahia e regresse de lá com a expedição que vai partir de lá para a reconquista do Norte”.
Lamartine seguiu para a França, exilando-se em Paris durante alguns anos.
(*) Em outra versão do Diário, ao invés de pusilanimidade, consta palavra mais dura.
O HOMEM CORDIAL
Estudando o caráter do brasileiro prototípico, em seu livro Raízes do Brasil (1979), Sérgio Buarque de Holanda expõe a sua teoria do “homem cordial”. Para o grande historiador e sociólogo, o brasileiro, quase sempre, apela para os sentimentos e os sentidos, e quase nunca para a razão e a vontade. É o homem cordial. Porém – ressalte-se – a palavra cordial “há de ser tomada, neste caso, em seu sentido exato e estritamente etimológico”. Como se sabe, Cordial vem do latim cor, cordis (coração). Cordial, portanto, não é somente o sujeito amável, gentil, mas, de modo especial, aquele que por palavras e obras faz valer o que lhe dita o coração. A cordialidade – entenda-se bem – “estranha, por um lado, a todo formalismo e convencionalismo social, não abrange, por outro lado, apenas e obrigatoriamente sentimentos positivos e de concórdia. A inimizade bem pode ser tão cordial como a amizade, nisto que uma e outra nascem do coração, procedem, assim, da esfera do íntimo, do familiar, do privado” (Ob. cit., p. 107).
Com apoio no eminente estudioso, quero dizer que, em decorrência desse traço característico do brasileiro é que surgem, entre nós, tantas mazelas – apadrinhamentos, nepotismo, bairrismo, lobby, “jeitinhos” para favorecer o amigo, etc. E a tudo isto não estão imunes as instituições culturais, os jornais e, notadamente, as redes sociais.
CLÁSSICOS
Apresento a seguir uma lista de livros de autores norte-rio-grandenses (falecidos) que merecem ser reeditados.
HISTÓRIAS QUE O TEMPO LEVA, de Câmara Cascudo. Aspectos da História do Rio Grande do Norte em feitio de estória, numa prosa ágil e leve. Livro indicado para a juventude das escolas. A primeira edição saiu em 1924, pela Editora de Monteiro Lobato.
DÚVIDA, de Ponciano Barbosa. Patrono da cadeira nº 25 da Academia Norte-rio-grandense de Letras, Ponciano Barbosa tem sido, injustamente, esquecido pelos organizadores de antologias poéticas.
FÁBULA FÁBULA, de Sanderson Negreiros (foto deste post). Obra mais expressiva de um dos nossos maiores poetas, que pretendia reeditá-la, mas faleceu, de repente, sem conseguir concretizar esse intento.
BACHARÉIS DE OLINDA E RECIFE, de Raimundo Nonato da Silva. Informações biográficas sobre norte-rio-grandenses formados de 1832 a 1932. Obra importante para a História do Estado.
UM JARDIM CHAMADO GETSÊMANI e outras peças teatrais de Newton Navarro. O teatrólogo Racine Santos reclamou, em artigo de jornal, com razão, que a dramaturgia de Navarro tem sido subestimada. Por que não publicá-la?
POESIAS, de Segundo Wanderley. Nosso maior poeta condoreiro acha-se, injustamente, esquecido. É preciso reabilitá-lo.
GENTE VIVA, de Câmara Cascudo. Perfis de ilustres personalidades que o mestre conheceu de perto.
PATRONOS E ACADÊMICOS, de Veríssimo de Melo. Obra relevante não só para nossa Academia de Letras, mas também para a História da Literatura no Estado.
CONTRIBUIÇÃO PARA A BIOGRAFIA DO IMPERADOR, de Tavares de Lyra. Fonte de consulta indispensável para o estudo da vida de D. Pedro II.
Além das reedições sugeridas, seria interessante a publicação de seletas das obras de Henrique Castriciano (poesia), Luís Fernandes (História do RN), cujos ensaios, incluídos na Revista do IHRN, ainda não foram reunidos em livro), Antônio Marinho (crítica literária) e Gothardo Neto (poesia).
Por fim, mas não menos importante, a reedição da obra escolhida de Polycarpo Feitosa (pseudônimo de Antonio de Souza), composta dos romances FLOR DO SERTÃO, GIZINHA, ALMA BRAVIA, OS MOLUSCOS e GENTE ARRANCADA e o livro de contos ENCONTROS DO CAMINHO.
TENTAÇÃO NARCÍSICA
Leio na “Tribuna do Norte”: a “Prefeitura de Natal pretende construir, em breve, na Rua Coronel Cascudo, a ‘Calçada da Fama’, na qual serão gravados os nomes dos natalenses mais ilustres. Será uma espécie de panteão ao ar livre?
O empreendimento é louvável por prestigiar a prata da casa, mas corre o risco de tornar-se uma “feira de vaidades” se nele forem homenageadas pessoas vivas.
EM TEMPO
O Diário Secreto de Humberto de Campos, a que me referi, foi reeditado em 2010, pelo Instituto Geia, de São Luís, Maranhão.
Agradeço a Vicente Serejo pela oferta dos exemplares.
2 Comments
O livro de Câmara Cascudo GENTE VIVA já teve reedição pela Editora da UFRN – EDUFRN em 2010 e encontra-se à venda na lojinha do LUDOVICUS – INSTITUTO CÂMARA CASCUDO. Seguimos na luta pela reedição de toda obra cascudiana, legado inestimável para o RN e para o Brasil.
Um livro de grande valor e que deveria ter uma reedição é o “Nova História de Natal” de Itamar Souza. E sem contar que a história potiguar, sem dúvidas, ganharia e muito com as reedições disponíveis em versões digitais.