Ao abrir o livro “Saraivada” (Sarau das Letras, 2015), de Iara Maria Carvalho, somos atingidos por uma torrente: arroio múltiplo, feito de palavras, emoções, dores e cores trazendo ao mundo a força interior da sensibilidade da poeta. Muito além das emoções individuais do ser poeta, do ser mulher. Mas as emoções profundamente humanas.
Enchem-se e esvaziam-se, transitam e imobilizam, acolhem e expulsam, ferem e cicatrizam: “Pouco me importa se as palavras/ são inúteis.” (Rosário, pág.19.) O que importa então? A poeta, o leitor, cada ser vivo? O brilho.
Não o exterior, mas o que está dentro da concha, composta não com as trinta contas do rosário, nem com os trinta anos de uma cronologia como uma medida, mas um rosário feito de verbos, adjetivos, sujeitos vivos, que “me rangeu os dentes, gostei./ alegria da palavra é doer.”, (E gemer, pág.21), que fica além da lembrança, como “Ofício” porque é feito – só das palavras” (pág.23) que, no entanto, sibilam ao ouvido, ao coração, a alma e tocam como uma “Saraivada” (pág.33), no que o leitor é sentenciado: “Desfira um golpe/misericordioso/no corpo sem carne/ do silêncio.”
O gatilho feito de palavras foi disparado. O estopim aceso “Caminhos abertos/ com a navalha na mão…/e amores impossíveis.”. (pág.35).
É preciso estar pronto, pois a descarga sibilante está apontada para o leitor e da “Roleta Russa/ouço o som do tambor da morte/rodopiando magnético./…/ gira o tambor com saia de cigana:/ uma em seis, sou a bola da vez?… Na caliça da parede escorre/ uma flor tão fria,/de um vermelho denso.” (pág.107).
Contudo, nada fica estático, há em todos nós “uma lagartixa louca” (pág.109), a ser despedida “vá embora, ande, corra, sua lagartixa louca. acabe./ sobrevivi aos tinta anos com uma cárie a menos./ um sonho a menos./ um pai a menos./ e se é tempo de voar,/ desengaiolo os lírios do meu cérebro de cimento/e deliro.” e não só a poeta, também o leitor é levado e envolvido ao delírio até que “vidro-me” fascinado e apaixonado pois, a saraivada expõe a minha “vocação/para aquários/é o que me salva/do abismo” (pág.113) e “Ainda viva” …eu, que tão natureza morta já fui,…/ hoje me vejo líquida, lírica.” (pág.127).
Eis a poeta, derramada em todo livro, a cada palavra, a cada verso, a cada poesia trazendo do sertão potiguar uma voz própria, singular, forjada em um diálogo com poetas do Brasil, como Ana Cristina Cesar, Hilda Hilst, Silvia Plath, Rizolete Fernandes; sua descarga ou saraivada, conduz o leitor ao “enlevo e a perplexidade” como bem escreveu o poeta Antônio Fabiano.
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Parabéns, Chumbo!
Excelente texto sobre a poética da poeta Curraisnovense!
Abraços!