por Alex Gurgel
No Ceará há uma “tradição” que cai sobre os pensadores e artistas. Se não virar um gaiato pra contar piadas nos vários palcos espalhados na Beira Mar de Fortaleza, o cearense torna-se escritor, seguindo a tradição de José de Alencar.
O empresário Mardone França escolheu a escrita para mostrar sua verve literária com o lançamento do livro Histórias de Menino, cujas narrativas são contos e crônicas, lembranças de uma vida inquieta de um menino danado, morador de uma cidadezinha no interior do Ceará.
Em Histórias de Menino, Mardone narra passagens que viveu misturando com uma pitada de ficção, na cidade de Palma, que se transformou em Coreaú, memórias que levam o leitor a mergulhar junto com o Gavião Carijó predador em busca dos morcegos, numa aventura de vida e morte.
O Banco do Jaime ficou na mente dos mais antigos com um lugar encantado aonde tudo acontecia. No seu disparate, o autor sugere que se faça uma estátua, nos moldes daquela de Carlos Drummond, em Copacabana, no Rio de Janeiro, do Banco do Jaime em Coreaú.
Numa linguagem rebuscada, o leitor vai acompanhar a aventura na construção de uma vara de pescar ovos da Galinha Pedrês que botava um ovo todo dia, às 12h, ao lado do farinheiro. O ovo reforçava o almoço do menino todos os dias até quando percebeu que comia o pirão da galinha pedrês e, dali em diante, não teria mais ovos ao meio dia.
Vai brincar junto com o menino Mardone nas algazarras da meninada em dias de chuvas. Os meninos construíam barragens e outras obras de engenharia complexa com alvenaria e barro no cantos das esquinas de Coreaú, quando a água descia com força nos declives das ruas estreitas.
Do azul meruoca
O alumbramento com a Serra da Meruoca permeia o livro inteiro. Porém, o autor se dar ao cabimento em inventar uma cor especialmente para a grande Serra da Meruoca, localizada por trás da Fazenda Ramalhete. Depois que as chuvas despejavam suas águas pelas encostas da serra, a ribeira do Rio Coreaú sangrava água e ficava a beleza da Serra da Maruoca no horizonte azulado. Não era um tipo de azul qualquer, segundo o autor era um “Azul Meruoca”.
Como fotógrafo observador, tempos depois, ele percebeu que o tom azulado: “acontece não propriamente com a chuva que lava, mas os efeitos da meia luz ao entardecer filtrada pelas nuvens carregadas de gotículas de água”, palavras do autor.
Como todo bom “cruzadinho” que ajudava as missas matinais, o menino Mardone era encarregado de conseguir flores para o autor da Igreja e perpetuou em seu livro senhoras de sua infância como a Tia Deusa, dona Quintina, dona Dalila… relatando sua ligação com a igreja cada vez mais forte. Mas, conta pouco sobre o pecado da vaidade com sua primeira calça comprida de linho branco, deixando de ser um menino de calças curtas. Naquele dia que saia da puberdade, passou o dia usando a calça de linho branco bem engomada e ninguém o notou.
As redes de segundo andar para livrar as goteiras é tudo que se tem sobre a casa onde morou o menino Mardone, que não descreveu como era a vida em sua casa cheia de irmãos em nenhum de seus contos. Também não descreve as características da Fazenda Ramalhete, assim como descreve tão bem a paisagem do sertão vestida com o “azul Meruoca” depois de uma chuva invernosa no sertão, no pé da serra. Senti falta dos detalhes das casas, dos móveis, das brincadeiras com os demais irmãos e primos. Acho que o autor deixou para outro livro.
Não faltou a literatura fantástica no encontro com São Tarcísio, protetor dos cruzadinhos. Ainda teve tempo para sua primeira investida amorosa em Isabel, uma linda galega, que iria embora no outro dia para Florianópolis, sendo seu primeiro e último encontro com ela.
As fotografias que permeiam o livro deveriam ter legendas para criar uma referência de lugar aos leitores. Não é todo mundo que conhece (numa foto antiga) a região de Coreaú e a Serra da Meruoca. O menino que vivenciou todas as pelejas do livro aparece numa das fotografias do livro, em um banho no Rio Coreaú com outros meninotes em tempos de chuva.
Definitivamente, com seu livro Histórias de Menino, editado pela Z Editora de Natal, resgatando retratos de sua infância, narrados de forma lúdica e literária, como deve ser a pena de um bom alencarino, o empresário Mardone França entrou de cabeça erguida no mundo das Letras, deixando de ser membro honorário para ser um membro efetivo da conceituada Academia Palmense de Letras.