Falhei no lirismo

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Falhei no lirismo? Pouco investi no fotopoema afetivo, confesso. Não segurei, grave, um livro do Carpinejar no átrio da FNAC sob diáfana luz intimista, como a um frágil novilho de pangaré natimorto. Devia ter discutido o rizoma pornopolítico, de cócoras no carpete com leitores de Philip Roth, seus ávidos olhinhos luzentes feito bila de mercantil, degustando algo vagamente verde entre junkies de ikea, esse Lego desencantado. Devia ter um moleskine pra anotar, como se disto dependesse a virgindade anal de todos os pandas, pontos da fala dum monstre sacré uspiano, seu sobrenome supurando consoantes duplicadas, tipo eurofurúnculos lexicais, mais consoantes do que dígitos na minha conta, um bukake alfabético.

Eis tudo, meu poeta acústico, nunca engasguei sapeca nas consoantes dum tradutor sulista jururu. Já nasci abjurando as belas letras com hipobóreos berros potiguares. Fustiga-me o lombo com o box Cosac Naify do Arnaldo Antunes, pois é o lombo dum trivial cão caramelo, que fez da afasia récita para a surdez do pélago entre os orbes – o crítico honesto possível. Mas, dirá o cínico, poesia é uma alternativa à obstetrícia para o abrir de pernas. O cínico, veja, não eu. Eu só quero asilar mares erradios num falso pingente de tio do Compro Ouro, e isso por estima à finitude alheia, o que bem pensando me reaproxima do cínico. O busílis é, todo ele, este: para capturar a lírica campesina, não é preciso pastar. Se insistisse em method acting, teria afinal de competir com os originais em volume bruto de fertilizante.

Às vezes, nova luz hermenêutica à heterotopia nagô, concluo que lirismo é a afobação pragmática dum protestante ianque de merda. Porque, resta certo, só o vagabundo não é lírico. O inferno mesmo é prolixo, em seu bronze natural perpétuo. A eternidade precisa de um revisor. Aliás, não espalhem pros milicos que os acusei, por corolário, de vadiagem. Se o presidente deferir alvará de butthurt, estarão oficialmente ofendidos em vinte dias úteis.

Úteis, de fato? Revisado eternamente, o livro perfeito é a página em branco, ao passo que o médico honesto é uma impossibilidade lógica – como teria clientes, se os curou? – e o amor mais vivo é dos suicidas, por cuja fidelidade a inexistência faz milagres. Resta como lirismo possível o silêncio. Agora já foi. Falei, falhei.

Daniel Liberalino

Daniel Liberalino

Escritor, desenhista, músico e pesquisador.

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