Por Yrahn Barreto
Creio que devo começar contextualizando as primeiras impressões que senti ao me deparar com a obra arrebatadora de Sérgio Sampaio. Sinto decepcionar os meus amigos e fãs que acompanham meu trabalho quando digo que conheci as canções de Sampaio não faz tanto tempo, ou seja, para quem começou sua vida artística como músico de banda baile aos 12 anos, é provável pensarmos que eu já
teria tido contato com a obra de Sampaio.
No entanto, só vim conhecer de fato suas canções quando em um belo dia de farra na casa do nobre amigo Erivan Seixas – conhecido intimamente por nós que éramos seus vizinhos por Erinho – um ex-professor meu de história, o querido Giancarlo ao me ver apresentando para ele algumas canções que eu havia feito, Gian logo me interrompe e diz a seguinte frase: “Cara você está bebendo muito da fonte de Sérgio Sampaio”. Respondi com destreza, surpresa e curiosidade ao mesmo tempo: “Quem é Sérgio Sampaio?” A resposta pareceu soar insultante. “Mas como assim, você não sabe quem é Sérgio Sampaio?” disse, meu antigo professor.
Bom, depois de alguns instantes me falando sobre esse compositor capixaba, Giancarlo resolve o problema da audição atenta, considerando que a minha curiosidade só aumentava em querer ouvir alguma canção que não fosse o “bloco na rua”. Assim, Gian chamou Erinho e disse que ali havia um acervo imenso da discografia do Raul Seixas como todos nós já sabíamos, porém, Erinho também tinha alguns discos (vinis) do Sampaio. E foi quando o nosso amigo anfitrião e dono do acervo me apresentou o álbum “Sinceramente”. A faixa escolhida foi a canção “Nem assim”, que me arrebatou de maneira inexplicável, parecia que era uma coisa feita por nós, feita por todos que se apaixonavam inteiramente por tanta genialidade, a identificação com o discurso musical e poético era instantâneo.
O que era aquilo? De que maneira aquilo tudo ficou tão distante de mim, por tanto tempo? Eu tinha meus 20 e poucos anos, ainda um menino, mas que já havia caído no mundo artístico bastante cedo. Minhas referências musicais identificadas na obra do autor, estavam atreladas à distância e ao tempo.
O impacto do primeiro encontro com a voz e o compositor me desconcertou, Aquele era Sérgio Sampaio. Fui para casa anestesiado, enebriado, embriagado de inspiração, e claro, algumas cervejas a mais e mais.
No caminho, que durava o tempo de atravessar um quarteirão, me pego a pensar em uma homenagem, algo que eu pudesse fazer para colaborar com a não privação das pessoas com relação à obra de Sampaio. Eu queria provocar esta mesma sensação que senti nas pessoas que não tiveram a oportunidade de conhecer aquela obra enfeitiçadora. Pensei em fazer uma gravação de um CD promocional com canções de Sérgio tocadas apenas voz e violão por mim, e em seguida promover um show cantando Sérgio Sampaio para homenagear o velho bandido. Isso aconteceu, e teve um impacto profundamente satisfatório quando falo de reverberar a obra de um dos maiores compositores desse país.
Passados alguns anos fazendo o show Yrahn Barreto canta Sérgio Sampaio, tive a oportunidade de conhecer e trabalharmos juntos com a produtora cultural Jamilly Mendonça, exatos 10 anos atrás, quando nasce, portanto, a Semana do Sampaio, um festival de artes integradas que visa compor uma paisagem sonora e uma atmosfera recheada dos diversos seguimentos da arte. O projeto Semana do Sampaio, realizado anualmente há 10 anos, é uma celebração essencial para manter viva a memória e a relevância da obra de Sérgio Sampaio.
Este evento não apenas homenageia Sérgio Sampaio, mas também promove a reflexão sobre sua contribuição para a música brasileira e incentiva a redescoberta de seu repertório por novas audições, debates, troca de ideias e interpretações de suas melodias e letras. É uma iniciativa que reforça a importância de preservar e valorizar a diversidade cultural do Brasil.
Sérgio Sampaio é, sem dúvida, um dos artistas mais singulares da música popular brasileira. Suas criações transcendem rótulos e gêneros, desafiando tanto o mercado quanto as convenções culturais de sua época. Sua abordagem musical ousada é uma síntese de várias influências, como samba, rock, bolero e blues, resultando em uma sonoridade que é tanto peculiar quanto universal.
O que diferencia Sampaio é sua habilidade de transformar emoções cruas e vivências em letras profundas e, muitas vezes, sombrias. Canções como “Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua” não apenas capturam um momento político e social, mas também refletem a busca do indivíduo por expressão e autenticidade. Suas letras frequentemente abordam temas como liberdade, solidão, e o desejo de fuga, tornando sua obra atemporal e ressonante.
Ainda assim, o reconhecimento a Sérgio Sampaio não esteve à altura de sua genialidade em vida. Como parte dos “malditos” da MPB, ele enfrentou marginalização e resistência por parte da indústria fonográfica, que privilegia na maioria das vezes, fórmulas comerciais. Esse tratamento, embora tenha dificultado sua trajetória, também contribuiu para moldar a aura mítica que envolve sua figura e sua obra.
A importância de sua música para a cultura brasileira reside justamente nesse caráter contracultural e autêntico. Sérgio Sampaio desafiou não apenas o sistema musical, mas também o ouvinte, oferecendo um repertório que exige reflexão e um olhar sensível. Seus álbuns, embora não numerosos, são provas de sua inquietação criativa e de seu compromisso com a arte em suas mais variadas vertentes.
Sérgio Sampaio ocupa um lugar único na MPB, especialmente quando comparado a outros artistas de sua geração. Ele é frequentemente associado ao grupo dos “malditos” da música brasileira, ao lado de nomes como Jards Macalé, Walter Franco, Luiz Melodia e Jorge Mautner. Esses artistas eram conhecidos por desafiar as convenções da indústria musical, explorando sonoridades experimentais e abordando temas que muitas vezes não eram considerados “comerciais”.
Por fim, é inegável que projetos como a Semana do Sampaio, realizados anualmente, desempenham um papel fundamental na preservação de sua memória e legado. Nós não apenas mantemos viva a obra do artista, mas também incentivamos novas gerações a descobrirem um músico que ainda tem muito a dizer, mesmo décadas após sua partida. Sérgio Sampaio permanece como um símbolo de resistência artística e um convite à autenticidade.