Polígrafo, autor de numerosos livros, opúsculos e plaquetes, quase todos sobre temática regional, Raimundo Nonato (R. Nonato, como, às vezes se assinava) estreou nas letras com um romance – Quarteirão da Fome (Rio de Janeiro: Editora Pongetti, 1949). Logo, porém, voltou-se, inteiramente, para a pesquisa nos domínios do Folclore, da História e da Biografia. Só muito tempo depois, tomou à Ficção com um novo romance – Poço das Pedras (Rio de Janeiro: Editora Pongetti, 1973). Seria sempre um “escritor literário”, na classificação de Gilberto Freyre, deixando-se nele entrever o ficcionista, o contador de histórias (v. obras de pesquisa, como Estórias de Lobisomem), mas destaca-se, sobretudo, no campo das ciências humanas e sociais, bem como na memorialística. Sua obra de ficção restringe-se aos dois livros referidos.
Publicado em 1949, vinte e sete anos depois da Semana de Arte Moderna, Quarteirão da Fome é um romance acadêmico. Linguagem, estilo (a frase longa e rebuscada, o tom solene), estrutura narrativa, tudo nele tem a marca inconfundível de determinada corrente do Realismo, cujo apogeu, no Brasil, verificou-se na segunda metade do século XIX.
Tenho para mim que o autor, em sua formação literária, ignorou os escritores modernistas, ou fugiu à influência deles. Por ser assim retardatário, epígono, seu livro não desperta muito interesse, embora tenha inegáveis qualidades.
Vários estudiosos – deve-se frisar – não o consideram obra de ficção, mas, sim, uma série de quadros e crônicas sobre o sertão castigado pelas secas. Inexiste uma “urdidura narrativa central, que fizesse depender um capítulo de outro sob o ponto de vista factual”, como bem afirma o crítico Anchieta Fernandes, todavia reconhecendo haver “uma estória que pontua todo o corpo do livro” – livro que é, a seu ver, “um grande romance”.
Os personagens são, apenas, esboçados. Não ganham vida. Mas, na verdade, existe um grande personagem e este é o próprio sertão – o sertão parado no tempo e imune à Civilização durante toda a primeira metade do século XX. Descrições minuciosas, vazadas num português escorreito, revelam aspectos da terra & gente sertanejas – paisagens, fenômenos naturais, costumes, tradições, etc. Vê-se que o autor – etnógrafo em potencial – tem o dom de bem observar e melhor descrever. Infelizmente, falta-lhe imaginação, qualidade essencial a todo bom ficcionista.
Não sem razão, ele, depois deste livro de estreia, abandonou a Ficção, enveredando pela pesquisa.
Quarteirão da Fome, em boa parte, é feito de lembranças da Serra do Martins, terra natal do autor. A cidade imaginária de Bela Vista, onde transcorre a ação romanesca, tem alguns traços de Martins. Já em Poço das Pedras toda uma outra cidade – Mossoró – serve de palco a ingênua história de amor. Muitas recordações da juventude do autor, vivida na capital do Oeste, transformaram-se em matéria-prima de sua ficção.
Diferente do romance de estreia, Poço das Pedras é, sob todos os aspectos, moderno. Tem numerosos pontos de afinidade com o Romance Regionalista de 30, mas não atinge o alto nível qualitativo de obras exponenciais daquele movimento, como por exemplo, Fogo Morto, de José Lins do Rego e O Quinze, de Rachel de Queiroz.