Seria um lugar comum dizer que cerveja artesanal é um produto caro. Mas é desse lugar comum que eu gostaria de partir hoje. É uma obviedade ululante: cerveja artesanal não é barata. Nunca foi, não é, e nunca será. Se há um não ser cervejeiro, é não ser barata.
Isso contribui para um certo elitismo, algo que é dado mesmo entre as cervejas mais comuns, ditas de massa. Ou quem nunca participou de uma discussão de mesa de bar para provar que Skol (ou Heineken ou insira o nome de sua cerveja de massa favorita aqui) é superior/melhor que Schin, Itaipava ou Glacial (para citar três odiosos exemplares). Mais um lugar comum nessa análise.
Quanto custa essa barganha cervejeira?
Mas, gostaria de trazer o exemplo inverso, de quando uma cerveja artesanal não sai (tão) cara assim. E sem fazer propaganda diretamente, mas já fazendo de modo involuntário, temos no dia de hoje, sendo vendida em uma grande rede de supermercados da cidade do Natal, o nordeste no aumentativo, a “Sofie”.
A Sofie é uma Farmhouse Ale (ou Saison – pronuncia-se “cêzôn” –, como queiram) da Goose Island, cervejaria que integra o portfólio da AmBev, por singelos R$ 7,99, menos que uma nota de arara.
Tudo bem, é o segundo ensaio e pela segunda vez eu menciono a AmBev, e mais uma vez tenho que dizer que a Goose Island também não perdeu qualidade ao ser adquirida pela megacorporação, e não se enquadra no conceito de Det Som Engang Var (se você não conhece esse conceito, volte duas casas e leia o meu ensaio anterior).
Mais que isso, pelo preço pelo qual ela está sendo vendida, ela é uma verdadeira barganha. E a Sofie está sendo vendida por esse valor porque está próxima ao vencimento, que a rigor, no rótulo é 03/12/2020, já que essa é a versão de 2015.
Todavia, vencimento no Brasil é algo meramente legalista e formal, não reflete o potencial de guarda ou duração de uma cerveja (uma NEIPA pode ficar ruim antes do prazo de vencimento, ao passo que uma cerveja como a Sofie pode durar vários anos “após vencer”, ou seja, depende do estilo, do armazenamento, transporte, etc.).
Vale o Hedge[1] Cervejeiro, pode confiar
Uma cerveja como a Sofie é um verdadeiro investimento de longo prazo porque certamente ela aguenta sem grandes percalços de aroma e sabor pelo menos mais 5 anos, quiçá mais tempo.
Levando-se em conta o enquadramento econômico de crise global pela pandemia do Covid-19, e que o dólar está custando exatamente 5,65 notas de beija-flor dentro da cueca de um senador na cotação do dia, a Sofie está custando $ 1,41 unidades de Trump perdendo a eleição. Um preço que talvez nem seja encontrado caso se tente comprar em um supermercado norte-americano. Em Chicago, IL, onde ela é produzida, a unidade deve custar em torno de $ 1,60 dólares no 6 pack.
O contexto dado revela que, nem sempre, uma cerveja artesanal de uma qualidade altíssima como a Sofie vai custar um valor inacessível. Pelo contrário, eu recomendo que, quem puder, estoque essas cervejas, pois, daqui a 5 anos, $ 1,41 dólares certamente não valerá menos que 20 reais (que é o preço regular, pelo qual ela era vendida no supermercado em questão).
Ou seja, esse é o verdadeiro hedge cervejeiro como forma de proteção diante da desvalorização cambial.
A saideira: o que essa cerveja tem de bom?
Para finalizar, gostaria de fazer uma breve análise sensorial da Sofie. Acho sempre válido ter em mente o que as cervejas podem oferecer em termos gustativos.
Então, no aroma, percebe-se claramente tons cítricos, alaranjados, complementados por uma condimentação característica do estilo (notas de cardamomo e coentro), levemente apimentada.
No sabor, destaca-se seu corpo frisante, lembrando vagamente a aparência gustativa de um espumante, leves notas amanteigadas e de baunilha, fechadas por uma leve salinidade na finalização, acompanhada de mais tons cítricos.
E a nota dela?
A nota final é um espetacular 9, levando-se em conta o custo-benefício imbatível dessa cerveja, bem como toda a carga representativa de um estilo não tão difundido e também a sua acessibilidade, tanto em termos de valor nominal de venda, como de local para ser adquirida.
Música para degustação da Sofie
Recomendação musical para a degustação: Jessie J – Price Tag.
Diz a letra “Money can’t buy us happiness”, mas se você buscar bem, compra boas cervejas, sem precisar ser elitista!
Saúde!
Ps. Certamente, R$ 7,99, não é exatamente barato, mas, é o equivalente a quase 2 Heinekens, é só fazer a troca. Beba menos, mas beba melhor!
[1] Hedge é um instrumento que visa a proteção dos riscos oferecidos pelas oscilações do mercado financeiro.
2 Comments
[…] para a Italian Grape Ale, no entanto, pode se asseverar que usualmente se usa uma base de Saison (clique aqui para saber mais sobre o estilo “Elitismo cervejeiro”), e ela tende a ser elaborada pelo método tradicional de espumantes, com uma costumeira segunda […]
[…] um pouco da temática do segundo tópico publicado aqui na coluna (relembre qual foi no link https://papocultura.com.br/elitismo-cervejeiro-ou-quando-cerveja-artesanal-nao-sai-tao-cara-assim/ ). Nele tratamos do que é hedge e dissemos porque algumas cervejas em promoção, ainda que perto […]