Na Rua Chile, em Natal, situa-se um belo sobrado, construção de começos do século XIX, que foi Palácio do Governo até 1902, informa Câmara Cascudo (“História da Cidade do Natal”). Posteriormente, já por volta de meados do século XX, funcionou nesse prédio um cabaré, o famoso “Wonder Bar”, que tanto agitou a vida boêmia natalense, notadamente durante a II Guerra Mundial, quando era bastante frequentado por militares norte-americanos sediados na Base Aérea Parnamirim Field.
Sobre a denominação do bordel há controvérsias. No livro “Natal, USA”, Lenine Pinto refere-se a “wanderbar”. E esclarece: “… imagino, pela tradição oral, que a grafia fosse a mesma: “wander (bar)”, uma só palavra, como em alemão, porque era com sotaque germânico que se pronunciava: “vânderbar”. Aliás, tanto em alemão com em inglês, wander tem o mesmo significado de perambular, por isso aquele título seria, poeticamente, algo como Bar do Peregrino, do passante estrangeiro”.
E acrescenta o historiador e memorialista:
“Nunca, porém, se ouviu alguém falar “uônder-bar” (com pronúncia inglesa), mas de repente apareceram com essa de escrever “Wonder Bar”, que se pronuncia “uânder-bar” e quer dizer bar-maravilha, o que piora e enfeia o nome original.”
Com todo o respeito ao mestre Lenine, tenho minhas dúvidas quanto ao nome desse cabaré.
Em seu livro, “À Mesa do Vilarinho”, Fernando Lobo reporta-se a um dos mais prestigiados pontos de encontro da boemia carioca, no final da primeira metade do século XX: o “Wonder-Bar” ( Páginas 83, 176 e 197 – Rio de Janeiro: Editora Record, 1991). Era o bar preferido do cronista Antonio Maria. Tenho para mim que o seu nome veio na esteira do sucesso do filme “Wonder Bar”, de 1935, com Al Jolson e Dolores del Rio, direção de Lloyd Bacon.
É bem provável que, na denominação do cabaré natalense, se tenha copiado, por espírito provinciano de imitação, o nome do famoso bar carioca.
Outros bordéis e ilustres personas
A propósito de bordel, para não dizer lupanar (“instituição” que as novas gerações desconhecem), seria interessante fazer-se pesquisa sobre outras casas memoráveis, além do “Wonder Bar”, em Natal e Mossoró, como, por exemplo, “Maria Boa”, que até nome de avião norte-americano foi, na época da II Guerra Mundial.
Quando eu era ainda adolescente, morando em Mossoró (1956 a 1958), ouvia falar da zona do meretrício. Dizia-se “Lá em cima”, (ficava num alto, é claro). Natal, onde passei a residir, teve “a Zona”, que, por sinal, dividia-se em várias “zonas”. Na Ribeira, bairro junto ao porto, ficava a mais baixa, o bas fond, multiplicando-se por becos e ruas de aspecto sórdido. (Durante o dia eram pontos comerciais já decadentes, oficinas mecânicas, etc., que deixavam a marca de suas atividades no lixo que se acumulava pelas sarjetas).
A Quinze de Novembro e o Beco da Quarentena eram locais característicos, barra pesada. O burlesco e o trágico conviviam ali. Cenas patéticas, brigas, atmosfera trevisaniana em grau superlativo.
Música “de roedeira”, canções do repertório de Nelson Gonçalves e outras que tais, faziam o encanto das ‘”meninas” semidespidas e exageradamente pintadas com rouge e batom. Em meio àquele mundo-cão devia haver, também, amor, ternura. Pois, como dizia Chica Loura, “rapariga também é fia de Deus”.
Quanta matéria para ficção!
Sandoval Wanderley, de saudosa memória, grave, circunspecto, metido num impecável terno de linho branco, foi visto na Zona, certa vez, quando apenas buscava inspiração para a sua peça teatral “Beco da Quarentena”.
De outra feita, Câmara Cascudo andou por ali a fazer pesquisas folclóricas; foi detido, numa batida policial, mas logo liberado, com um pedido de desculpas. É possível que o mestre Cascudo não se tenha limitado à tarefa científica… Ele era um ser dionisíaco, uma figura humana extraordinária e, como tal, escritor capaz de vivenciar tudo sobre o que escrevia.
Nei Leandro de Castro, poeta de primeira linha, verseja no seu livro “Romance da Cidade do Natal”:
“Ali, comércio e comércio
funcionam noite e dia.
Quando os armazéns se fecham,
renova-se a freguesia.”
Também Sanderson Negreiros, da mesma estirpe, eternizou a Zona com o seu poema ” Canção do Beco da Quarentena”, que tem versos como estes:
“Aqui, o beco inicia seu caminho de ser
Cântaro de sombras
A amparar solidões amordaçadas.”
Por fim, Newton Navarro, contista, cronista e boêmio, fez do beco o reduto sentimental de sua inesquecível personagem Joana Sem.
FOTO DE CAPA: O antigo Wonder Bar em 1979. Na foto ele já estava perto de ser demolido. Aqui tanto a parte dos fundos como a parte da frente já estavam em ruínas. (FONTE: blog O Curiozzo)