Mesmo diante de um momento pessoal muito difícil, tento respirar um tanto e fazer alguma leitura sobre o cenário político que levou as eleições presidenciais ao segundo turno, como já previa boa parte das pesquisas eleitorais.
Algumas notas são as mais óbvias:
- A polarização política é um fato muito claro, ainda que essa polarização seja repleta de nuances bastante complexas, afinal Lula e Bolsonaro juntos reuniram 91,6% de votos válidos no primeiro turno, achatando os candidatos de outras frentes e cujos apoios para o próximo turno serão muito importantes.
- Se a esquerda cresceu um pouco aumentando suas cadeiras no legislativo, a direita doentia bolsonarista se mostrou um bocado sólida, elegendo alguns de seus principais e mais terríveis nomes em todo o país.
- Há um contraste curioso demonstrado pelo aumento de representantes LGBT no legislativo enquanto teremos também alguns dos mais cruéis direitistas deste momento.
- ainda sobre contrastes, nada mais didático que a reeleição da Governadora Fátima Bezerra já no primeiro turno, com um percentual tranquilo e sólido de votos, e a escolha de Wendel Lagartixa (ex-policial filmado em participação num triplo homicídio) como deputado estadual mais votado do Rio Grande do Norte.
- O adiamento da eleição presidencial para o segundo turno foi um baque na esperança que se desenhou para a esquerda nas últimas semanas, mas é preciso lembrar que a vitória de Lula no primeiro turno foi importante, pois não se deve esquecer do peso que descansa sobre o poder da máquina pública em um processo de reeleição, ainda mais se usada descaradamente como o fez Bolsonaro.
- A diferença de mais de seis milhões de votos é significativa, especialmente se considerado o número relativamente baixo de votos em aberto para o segundo turno. Isso aponta para a necessidade de atenção por parte da esquerda a uma das estratégias ensaiadas pela situação para essa primeira rodada: a desmobilização do eleitorado de Lula.
Manobras como a suspensão do passe livre para o transporte público no dia das eleições é um sinal claro dessa estratégia, já que limitar o acesso de populações mais carentes aos locais de votação tende a atingir eleitores mais propensos ao voto no candidato do PT. Isso significa dizer que também é necessário olhar com cuidado para os eleitores das zonas rurais que votam nas cidades, por exemplo.
- Artimanhas como o “orçamento secreto”, nome fantasia do maior escândalo de corrupção na compra de apoio político desde a manobra de Fernando Henrique Cardoso pela aprovação da reeleição, funcionaram de forma considerável tanto para a eleição de deputados e senadores quanto para um crescimento de Bolsonaro nas últimas semanas antes do pleito.
- Para a esquerda, é preciso intensificar o diálogo e o corpo a corpo especialmente nas regiões mais conservadoras, uma tarefa difícil, afinal esses conservadores defendem interesses muito mais diretos e individuais do que políticas públicas. É, por exemplo, um grupo formado por pessoas que preferem votar aliados a seus patrões em lugar de alguém que represente um crescimento econômico verdadeiro e amplie oportunidades de emprego. Ou, em outro exemplo, quem ofereça acesso à rede de saúde como um favor pessoal e não como um direito comum a todo brasileiro.
- Não se pode desconsiderar a existência de alguns grupos complexos do eleitorado brasileiro: um que realmente se identifica com os piores aspectos do bolsonarismo e por isso se sente representado por ele; outro que não consegue associar suas escolhas políticas ao resultado de suas vidas cotidianas e todo o sofrimento ligado a elas, conduzido pelo medo da mudança, como se qualquer movimento diferente fosse suficiente para tirar deles tudo o que já não têm; e ainda outro grupo que rejeita a figura de Bolsonaro, mas que está apegada ao ideário bolsonarista.
- Por fim, embora tenha havido frustração com a indefinição no primeiro turno, é preciso lembrar que a vitória de Lula foi um passo importante para a derrota do fascismo que se apodera dos ambientes políticos nos últimos anos. Assim, não se pode permitir que essa sensação de frustração esmoreça os ânimos para o segundo turno. Só a mobilização é capaz de sustentar o último fôlego necessário para encerrar este triste capítulo da história brasileira.