A Demétrio Diniz, contista e poeta

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De imediato a história me sacudiu de longe.

Me empurrou praquele sítio, cuja enorme cancela,

como duas páginas, se abriu na minha frente.

(Aldo Lopes in Solidão Nunca Mais).

Pelo Cabo da Boa Esperança é o título do último livro do escritor Demétrio Diniz, falecido em 30 de junho do corrente ano. Pequenos contos compõem essa obra, em que prevalece o olhar do narrador, sobretudo numa perspectiva de memória.

Há pouco tempo, o autor comemorou 25 anos do lançamento do seu primeiro livro, Um Homem Sem Poesia (1996).

Em 2016, estivemos juntamente com o jornalista Sávio Hackradt e os escritores Aldo Lopes de Araújo e Manoel Onofre Júnior, batendo um papo literário com Demétrio Diniz, sob o olho de uma câmera, para compor documentário em vídeo, dentro de um projeto de nossa autoria denominado Palavra de Escritor.

Ao fim da conversa, toda com foco na literatura, percebemos que Demétrio Diniz é muito mais do que um ficcionista, ou ex-poeta, como ele preferiu ser chamado. Ele é um escritor com muitas virtudes, consciente do seu oficio quando o assunto é a arte da palavra. Leitor de grandes obras, inteligente, bem informado, de olhar crítico, digno de um reconhecimento muito mais amplo.

Demétrio Vieira Diniz nasceu para escrever, acima de qualquer outra coisa, e a literatura tornou-se a própria vida dele. Não há como negar que ele teve uma carreira poética bem sucedida, dentro da nossa realidade, inspirando-se quase sempre na sua terra e na sua gente, mas, é importante frisar que se expressa em uma linguagem universal.

A obra do poeta, que nasceu em Alexandria (RN), compõe-se dos livros Passarás (1999), Haveres (2004), Ferrovia (2007) e Beleza Distante (2010); trabalhos que já seriam suficientes para deixar registrada sua passagem em nossa história literária.

Essa admirável obra muitas vezes é marcada pela exploração máxima da palavra, no que ela tem de mais humano, com o mínimo possível de retórica ou chaves que precisem ser decifradas, de uma maneira algumas vezes intimista. O eu lírico descreve personagens, dramas, questionamentos, imagens, sobretudo memórias, tudo construído com o trabalho artístico. Não raro – nota-se – a poesia se aproxima da própria prosa.

A seguir, um exemplo de  seus versos, retirado do livro  Um Homem Sem Poesia (1996) :

AROEIRA

Sou feito de cinzas

estorricado

aroeira queimada.

Nasci em caatingas

e me formei em desertos.

 

Ainda sonho com chuvas

e heras

que nascem até sobre pedras.

Em 2012, deixando as musas de lado, Demétrio Diniz encaminha-se pela ficção e já se revela um bom contista com o livro Sob o Céu de Natal. Mas, se havia alguma dúvida quanto à qualidade do seu conto, isso vai cessar com o lançamento do seu segundo livro, Idas e Vindas de São Serápião (2013). Em seguida veio O Amor Fora de Época de Felipe Flores (2014), Traição e Morte na Fortaleza da Barra (2016), Nuno Labareda e sua Paixão por Baba Yaga (2018), outro êxito entre seus leitores, o que o deixa no patamar de importantes contistas do Estado. Como já disse Ezra Pound, a literatura é a linguagem carregada de significado. E isso Demétrio Diniz tem de sobra em suas narrativas.

Escritores com o nível de Demétrio Diniz servem como consolo e dão esperança de que a nossa tradição literária vai continuar, e a literatura de alta qualidade sempre vai prevalecer.

Thiago Gonzaga

Thiago Gonzaga

Pesquisador da literatura potiguar e um amante dos livros.

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2 Comments

  • Rizolete Fernandes

    Seu texto sobre Demétrio, diz tudo sobre o grande escritor que ele era. Não fomos amigos próximos, mas sempre que nos encontrávamos, eram instantes calorosos. Tenho vários do seus livros, admirava, admiro seu trabalho. Resta lhe parabenizar pelas palavras a ele dedicadas, Thiago.

  • Anchella Monte

    Como ter acesso a esse vídeo, Thiago, Palavra de Escritor? A partida de Demétrio foi tão inesperada! Embora pouco tenhamos nos encontrado nos últimos anos, eu sabia onde ele estava, e nos falávamos pelo Messenger. Uma boa amizade. Você escreveu perfeitamente sobre o escritor Demétrio, talento para ganhar mundo. Deixou para todos nós sua obra como presente. Teria reclamado com ele se tivesse ouvido a história de ex-poeta. Ele era poético quando falava de assuntos cotidianos. A poesia estava presente também em sua prosa. Os poemas de Demétrio têm sempre uma dor, uma memória e uma beleza presente em imagens que ficarão, pois têm muito o que dizer, haja vista sua riqueza humana e literária.

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