Saudações, cervejeiros!
Se existe um diferencial na cultura cervejeira (diante de outras, sejam alcoólicas ou não) – e eu acredito que, de fato, exista – é a questão da criatividade e das rápidas transformações que ela é capaz de gerar no produto final.
Trazendo um singelo e breve panorama com cenários similares, podemos perceber que o que faz com que as cervejas se destaquem é a criatividade imbuída em sua cultura. De modo comparativo, a cultura do whisky e dos vinhos, exemplificativamente, é bem mais “amarrada”. Para usar uma palavra mais técnica, eu diria que elas são “dogmáticas”.
Já a cultura cervejeira, diametralmente oposta, costuma caminhar, na maioria de suas escolas, em direção às novidades e da inventividade. Os padrões comportamentais de aplicação nas técnicas de produção, nos insumos utilizados, e, consequentemente, no produto final, são multifacetados, variados e inventivos.
Ficar preso aos dogmas do que é uma cerveja boa é algo que costuma ser um tanto quanto que relevado, na maioria dos casos. Isso não significa que inexista padrões de julgamento (do que é uma boa cerveja, objetivamente falando). Pelo contrário, eles existem, como os guias do BJCP ou do Brewer’s Association, já citados noutros textos. Contudo, eles sempre dão margem às inovações e à criatividade cervejeira diuturnamente posta à prova.
Assim, no texto de hoje, vamos falar um pouco mais dessa criatividade e como ela impacta as cervejas e os estilos cervejeiros de modo mais abrangente.
Culturas dogmáticas e culturas criativas: o cerne cultural
Em um primeiro momento, gostaria de deixar claro que não estou buscando hierarquizar os nichos culturais, tentando sobrelevar a cultura cervejeira em detrimento das demais, por exemplo. Pelo contrário, cada uma tem as suas peculiaridades e diferenças. Sem que isso torne uma superior ou inferior.
Decerto, o fato é que existem algumas que são mais dogmáticas (ou tradicionais) e outras mais criativas. No ápice da criatividade, pode-se colocar a mixologia, que, misturando diversas bebidas e ingredientes, cria drinks e coquetéis. No outro lado do espectro, temos a cultura dos vinhos, com seus produtores seculares e suas vinhas ainda mais antigas.
Mesmo na cultura do vinho, há espaço para inovações, como os vinhos sem álcool que vem ganhando cada vez mais adeptos na França, ou os vinhos orgânicos e biodinâmicos, que também arrebanham muitos adeptos ao redor do mundo. A cultura do whisky também é reconhecidamente dogmática, não sendo muito afeita a mudanças radicais ou técnicas extremamente criativas em seus conjuntos.
Contudo, na cultura cervejeira, ou pelo menos na maior parte dela, o que tende a dar o tom da evolução é a criatividade. A mistura de novos ingredientes (adjuntos) ou a variedade de insumos já tradicionais (lúpulos e maltes) sempre são capazes de trazer algo novo, e também criativo.
Criatividade, inovação e ingredientes
O espaço para a criatividade do cervejeiro, diante das possibilidades de criações de cervejas, é algo quase que infinito. Claro que, respeitando-se e atendo-se aos parâmetros mínimos de cada estilo, a criatividade é o grande motor para as criações cervejeiras.
Muito disso, historicamente, foi posto em prova e em desenvolvimento também pela escola belga, que nunca se limitou aos ingredientes básicos da cerveja, como lúpulo e malte, buscando ampliar os limites estilísticos com novos adjuntos, principalmente com frutas e com açúcares.
Boa parte dessa mentalidade mais inventiva e criativa também foi transportada para a escola americana, que por ser a mais nova de todas, acaba sendo também aquela que findou por forçar os limites dos estilos até então estabelecidos. No final das contas, a escola americana foi a responsável por aperfeiçoar os estilos até então existentes, muito por conta da criatividade aplicada aos seus processos criativos.
Além da inserção de adjuntos, que, de fato, é o que dá a maior margem para as criações mais criativas, o desenvolvimento de novas cepas de lúpulos foi o que mais contribuiu para a expansão criativa da escola em comento.
Lúpulos e mais lúpulos, a maior fonte criativa do ingrediente tradicional
Se existe um ingrediente “nato” da própria receita cervejeira, essencial, e que é capaz de conferir ao produto final toda a sua versatilidade, certamente, ele é o lúpulo.
Claro que o malte (ou a base maltada, que compreende todos os diferentes maltes utilizado) é também um ingrediente essencial ao conjunto cervejeiro. No entanto, além de não ter um apelo comercial tão grande de marketing (é raro sequer ver a menção aos maltes utilizados em alguma publicidade), por vezes, alguns adjuntos são capazes de “fazer a sua função”, afinal, não é raro se usar milho nas cervejas de massa e aveia nas cervejas artesanais com essa finalidade.
Já o lúpulo, por sua vez, costuma ser a grande estrela quando se almeja incrementar a criatividade nas receitas cervejeiras, ou dar alguma versatilidade a elas. Seus caráteres frutados, herbais, picantes, florais, são sempre bem vindos como um toque criativo, agindo como um verdadeiro tempero no conjunto cervejeiro. Algo marcante e característico a uma cultura tão calcada na inovação e na mudança de aromas e sabores a cada novo rótulo degustado.
Saideira
Criatividade é a marca da cultura cervejeira. Isso é algo a ser concluído por qualquer pessoa que tenha se dedicado a provar alguns rótulos e tenha tido uma boa imersão nesse ambiente cervejeiro.
Certamente que algumas escolas, como a alemã e parte da escola inglesa, acabam primando por receitas mais tradicionais, e, por vezes, menos inventivas. Contudo, em sua maior parte, a cultura cervejeira exibe uma versatilidade e um teor de inovação salutar.
Ela acaba por se reinventar e se aprimorar a cada nova mudança e a cada pitada de criatividade, em novos rótulos, novas receitas, novos adjuntos, e, principalmente, a cada nova cepa de lúpulo inserida no conjunto cervejeiro.
Recomendação Musical
A recomendação musical de hoje é uma homenagem póstuma a rainha do Rock Brasileiro: Rita Lee. Falecida ontem (09/05/2023), ela deixou um legado inestimável para a música brasileira, com muita criatividade, rebeldia e, claro, talento!
A recomendação vai para sua música Panis et Circensis, da época que ela integrava o grupo Os Mutantes, um clássico do rock nacional.
Saúde!