Olá, cervejeiros! Saudações!
O tema de hoje da nossa coluna será sobre India Pale Ale (IPA), um dos estilos mais queridos da atualidade. Mas não versará sobre qualquer IPA, ou IPAs de modo genérico, já que este estilo por si só já é um mundo, e sim, um subgênero ainda pouco conhecido e/ou explorado, ainda que bastante promissor: as IPAS com café, ou Coffee IPA.
Certamente, para quem já provou alguma IPA ou alguma cerveja com aromas e sabores de café (usualmente Porters ou Stouts, ou seja, cervejas de cor escura) pode pensar o quão estranha seria esta combinação? Inusitada? Sim! Ruim? Jamais!
Então convido todos a conhecer um pouco mais desta junção, que em primeiro momento pode parecer pouso usual, mas acaba sendo uma bela junção de dois mundos, das tonalidades cítricas e herbais da lupulagem das IPA’s, e os aromas do café.
Se estiver lendo durante o dia, pegue seu café, se estiver lendo durante a noite, pegue sua IPA; mas, se estiver lendo durante o final de semana, pegue sua Coffee IPA a qualquer hora do dia.
IPA com gosto de café?
Quem já teve o prazer de experimentar uma IPA deve ter em mente que ela certamente não remete à bebida mais consumida pelos brasileiros (depois da água, obviamente): o café. Ademais, um pouco de cultura “inútil” (nenhuma cultura é inútil, ressalve-se): o brasileiro costuma beber em média 5 vezes mais café do que cerveja (em sua média anual de consumo).
Ainda que o padrão de consumo de ambas as bebidas (tanto o café quanto da cerveja) seja massificado, temos em termos absolutos uma grande diferença no padrão de consumação, já que os resultados apresentam um consumo muito mais elevado do café.
Como dito, o padrão médio do brasileiro é consumir o café em grandes quantidades, por vezes até mesmo requentado, e naquele formato usual: pelando de quente, torra extraforte e com bastante açúcar.
Mutatis Mutandis, do latim, que significa, “guardadas as devidas proporções”, é mais ou menos o mesmo padrão de consumo do que acontece com cerveja. Já que o padrão médio é a cerveja de massa, estupidamente gelada.
E em ambas as bebidas o padrão se repete: adjuntos (tanto no café quanto na cerveja) para baratear o produto final e temperaturas extremas (o café muito quente e a cerveja muito gelada), justamente para tapear as papilas gustativas, e, assim, os defeitos congênitos nas bebidas se torne “menos aparente”.
Ao se degustar uma IPA, já se foge bastante do padrão comum de uma cerveja massificada, por mais que exista uma infinidade de subgêneros cervejeiros de IPAs, tem-se uma padronização média por ser uma cerveja mais lupulada, ligeiramente mais alcóolica e também mais amarga.
Apenas por essa definição habitual do que se tem por IPA, ainda que ela se divida em West Coast IPA, English IPA, New England IPA (NEIPA), Session IPA, Sour IPA, e várias outras IPAs, temos que a IPA não é aquela cerveja padronizada para ser tomada em quantidades estratosféricas e tampouco deve ser servida trincando, sob pena de não ser devidamente apreciada.
Juntar o perfil lupulado de uma IPA (seja qual foi a sua vertente) com café é uma tarefa, no mínimo, hercúlea, mas é algo que tem sido tentado ultimamente, e com resultados bem interessantes.
IPA “clara” e com “aroma” de café
Em termos de percepção sensorial, ao se pensar em café, a primeira ideia que vem à mente é a sua cor escura. Ao se pensar em cervejas que possuam naturalmente aromas e sabores de café, pensa-se, naturalmente, em Stouts ou Porters, que possuem em sua composição maltes torrados que conferem tanto a cor escura quanto nuances que lembram o café, principalmente pela sua torra.
Todavia, ao se falar em IPA, temos o padrão de ser uma cerveja clara, já que a própria sigla alude a isso: India PALE Ale, isto é, uma cerveja da família Ale e clara (Pale – que em inglês significa “pálido”, ou de forma mais direta: clara). Então, temos, aparentemente, um paradoxo: como uma cerveja clara pode conter café?
Em termos de processos produtivos, um dos métodos mais comuns de se adicionar aroma a uma cerveja é conhecido como “dry hopping”, que em tradução livre pode ser tido como “lupulagem a seco”. O dry hopping (uma forma de infusão) ocorre sem que haja uma adição direta do lúpulo no mosto, apenas uma imersão na fase de maturação, para que sejam conferidos aromas (de lúpulo) sem que se adicione sabor, ou melhor dizendo, para que não haja incremento no amargor (já que essa é uma das tarefas primordiais do lúpulo: conferir aroma e amargor). Com o dry hopping se consegue adicionar aroma (herbais, cítricos ou florais, precipuamente) sem que haja uma elevação concomitante do amargor.
O mesmo processo é aplicado às IPAs para que se consiga atingir os aromas de café. Ou seja, com a metodologia descrita se consegue inserir aromas de café na cerveja, mas jamais se conseguirá adicionar sabores de café. O dry hopping é apenas uma infusão de café na IPA, de modo que ela não terá sua cor e seus sabores alterados por causa de tal intervenção.
Desta maneira, a Coffee IPA não possui os sabores tradicionais de café encontrados em outros estilos de cerveja, como os já citados Stout e Porter, simplesmente porque não há nenhuma torra a ser encontrada no produto final após o dry hopping (não há café moído acrescentado ao mosto da preparação da cerveja).
Assim, em uma Coffee IPA há uma junção de aromas do lúpulo (já que há “dry hopping de lúpulo” envolvido, por mais que isso soe redundante, um verdadeiro pleonasmo cervejeiro) e de café (pela infusão feita pelos grãos desse fruto).
Sinergicamente, é possível que alguém fale em “sabores” de café, achocolatados ou amendoados por causa do café utilizado na confecção das Coffee IPAs, mas, em termos estritamente técnicos, não há perfil torrado a ser encontrado neste subgênero de IPA.
Aromas cítricos e herbais
Pensando nos cafés de massa e comerciais, seria quase que ultrajante se cogitar um café com notas cítricas ou herbais, algo que foge demais ao padrão de torra extraforte, utilizada para esconder defeitos e impurezas nos grãos de café.
Todavia, quem já conhece o mercado dos cafés artesanais e já pôde degustar um desses, com uma torra mais clara e menos agressiva, a depender da varietal utilizada, é capaz de identificar notas mais distantes daquelas advindas de uma torra mais forte.
Nesse sentido, não há de se estranhar que ao degustar um café especial (ou artesanal, a nomenclatura também é vacilante, como na comunidade das cervejas) que se perceba notas cítricas: limão, laranja; florais: flor de laranjeira, jasmim, violeta; ou herbais: gosto de mato.
O espectro da percepção sensorial dos cafés acaba se aproximando bastante das cervejas artesanais, sem contudo, abster-se totalmente das tradicionais notas amendoadas ou achocolatadas (a variar pela intensidade da torra, ou da varietal utilizada, como dito anteriormente).
Assim, em uma Coffee IPA, não é difícil se imaginar como os aromas do café e da lupulagem da cerveja podem interagir de maneira simbiótica e complementar, variando em função do grão de café utilizado e também do perfil de lupulagem pretendido pelo cervejeiro.
Uma das primeiras Coffee IPAs do mercado nacional foi a Fellas, da cervejaria paulista Dama Bier. Uma Imperial Coffee ipa (ou Double IPA com dry hopping de café) com 90 ibu, 9% de álcool e com café 100% arábica de uma linha do café Morro Grande de Piracicaba. Uma mistura de tonalidades levemente cítricas e mais destacadamente herbais da sua lupulagem, com bastante malte caramelo e o perfil de café verde dominante no aroma.
Outro expoente nacional dessa junção de café com IPA é a linha de Coffee IPAs da cervejaria Salvador Brewing Co., do Rio Grande do Sul, em colaboração do a Dudes Coffee Co. São duas Coffee NEIPAs que estão bem conceituadas, tanto por amantes do líquido sagrado quanto por degustadores do grão torrado.
Uma delas se chama The Spy, uma NEIPA com aromas herbais em destaque, acompanhadas de uma infusão de café da varietal Catuaí Vermelho, produzido por Luiz Fernando, da Fazenda Movimento, na cidade de Areado/MG, que confere notas achocolatadas e amendoadas no aroma.
A outra cerveja é denominada The Special Agent, também é uma NEIPA, feita com a variedade de café Mundo Novo, produzido por Luiz Saldanha da Fazenda Califórnia na cidade de Jacarezinho/PR, em seu processo de dry hopping. Ela possui um perfil lupulado fortemente cítrico, com notas de maracujá, complementada pelo sensorial aromático floral, com leves notas de avelã provisionadas pelo café.
Apesar de já terem sido lançadas anteriormente (em outubro de 2019), ocasião em que o próprio café utilizado para a fabricação da cerveja acompanhava o pack, as duas cervejas foram relançadas recentemente e têm sido muito bem avaliadas pelo seu caráter inovador no uso de uma alta lupulagem em NEIPAs que se valem de café em seu dry hopping. Fica a dica para quem quiser experimentar uma NEIPA diferente do usual.
Saideira
Cerveja combina com (quase) tudo, e café idem, então não poderia haver uma ideia melhor que combinar essas duas bebidas tão adoradas pelo paladar brasileiro.
Aplicar a técnica do dry hopping como forma de fazer uma infusão de café em IPAs é uma maneira de unir o útil ao agradável, juntar o amargor lupulado das IPAs com notas amendoadas, achocolatadas, florais e por vezes cítricas e herbais dos cafés artesanais.
Música para degustação
Em alguns textos da minha coluna eu gosto de buscar músicas com sentidos e conexões mais abstratos e pouco usuais. Não é o caso de hoje. Vamos com um crooner clássico e com uma música que possui um título mais do que direto: Frank Sinatra com The Coffee Song.
Saúde e um bom “cafezinho” a todos!
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[…] mais um ponto que também já foi abordado anteriormente em algum momento do ano passado por aqui (clique AQUI). A adição de café nas IPA’s, por meio de um processo de Dry Hopping (ou algo assemelhado a […]