Saudações, cervejeiros/baladeiros!
Existem, no meio cultural, não apenas no cervejeiro, vários tipos de ambientes voltados para os mais diversos nichos etílicos. Quando se fala em tipos de bares, temos uma infinidade. Bares sem música ao vivo, bar que é boteco raiz, bar de cerveja artesanal, wine bar, bar temático-lúdico, bar de nerd, bar de metaleiro zé coletinho raiz, bar de playboy, bar de sinuca, bar de pagode, enfim, as combinações dos nichos são quase que infindáveis.
No texto de hoje, vamos abordar um fenômeno cultural que está se inserindo em alguns bares (talvez até há algum tempo) que outrora eram dedicados, exclusivamente, ao nicho da cultura cervejeira artesanal, e, que, atualmente, tentam agregar outro público, o “baladeiro”.
Importante mencionar que o foco não é debater a expansão da cultura cervejeira para bares de balada que anteriormente não dispunham de cervejas artesanais para venda e, depois de um tempo, passaram a incluí-las em seu cardápio.
Busca-se debater o fenômeno inverso, bares inicialmente focados na cultura cervejeira artesanal e, que, por um ou outro motivo, acabaram se transmutando em outro tipo de bar.
Nesse passo, vamos debater essa questão e ponderar se essas mudanças, de modo amplo e em termos qualitativos, são boas ou ruins para quem tem o prazer inenarrável de degustar uma cerveja artesanal.
Os nichos e suas confluências: a balada e a cerveja artesanal
Gostaria de deixar registrado, logo de plano, que meu intento com o presente texto não é estabelecer nenhuma fonte de regra universal de como cada dono de bar deve tocar o seu próprio negócio. Pelo princípio da alteridade, na condução de seu próprio negócio, cada um deve proceder como quiser.
Quer montar um bar subterrâneo temático sobre capivaras no círculo polar ártico que só vende catuaba? Sinta-se à vontade.
A questão a ser debatida é: podem dois nichos tão específicos como o bar de balada e o bar de cerveja artesanal serem confluentes para quem busca qualidade (nas degustações)?
Mais uma vez, não serei categórico no sim, nem no não, mas, quem chegar até o fim do texto, saberá exatamente o que eu penso sobre esse tópico.
Já enumerei em outros textos a necessidade de se ter um espaço adequado para que as degustações sensorialmente relevantes sobre cervejas (e sobre qualquer outra bebida, na verdade) sejam efetuadas – leia mais um pouco sobre isso AQUI. Por conta disso, quem já acompanhou os textos pretéritos é capaz de enquadrar um bom ambiente para tal.
Também acredito que existem situações e situações. É possível que, exemplificativamente, em um evento cervejeiro, como um aniversário de uma cervejaria ou em um IPA Day, Oktoberfest ou St. Patrick’s Day, um ambiente mais descontraído, com música ao vivo, e demais agitações sociais seja propício juntar os dois ambientes (balada e cerveja artesanal).
Contudo, em um ambiente mais rotineiro, mais usual e mais perene, alguns desses fatores (usualmente afeitos a bares de balada) acabam por comprometer a qualidade da degustação, não apenas pelo ambiente em si, mas também pelo serviço prestado. Gerando certa falta de confluência entre as duas propostas.
Bar de valada e o serviço prestado
Qualquer organização empresarial, por si mesma, que preze pela boa qualidade do serviço, tem em mente que quanto maior o fluxo de pessoas, em um ambiente confinado, menor tende a ser a qualidade do serviço. Essa é a premissa básica para entender porque agregar um ambiente de balada a um bar de cerveja artesanal tende a ser algo contraproducente, em termos qualitativos.
Dois fatores contribuem de maneira expressiva para a impressão acima relatada.
Primeiramente, a alta demanda, vários pedidos ao mesmo tempo, em mesas muito cheias, clientes etilicamente alterados e em espaços muito apertados, favorecem o erro em atender alguns pedidos. Dentre eles, o produto correto a ser entregue em cada mesa, a temperatura adequada a ser servida a cerveja (seja ela muito gelada ou muito quente), dentre outros erros dessa natureza, troca de pedidos, pedidos simplesmente errados, ou incompletos.
Secundariamente, a qualificação da mão-de-obra dos empregados em bares que se apresentam como bar de balada, em detrimento de empreendimentos exclusivamente cervejeiros, tende a ser menor. Assim, por não terem, em alguns casos, o conhecimento adequado sobre o produto a ser oferecido, não é comum que os erros mencionados no parágrafo anterior sejam recorrentes e habituais.
Decerto, a qualificação dos empregados é algo premente em qualquer setor, contudo, quanto mais especializada em um nicho (cervejeiro, por exemplo), da mais alta excelência tende a ser o serviço prestado. Porém, em bares voltados para o público de balada, essa parece não ser a tônica empresarial mais prezada.
Exemplos recentes: a balada e a cerveja artesanal no mesmo bar
Vou trazer, como exemplos para o debate de hoje, sem citar nomes, bares que acabam tentando se enquadrar, mutuamente, no conceito de balada/cerveja artesanal, que tiveram sua qualidade comprometida.
O primeiro deles, localiza-se em Recife. Ele já foi um bar de cerveja artesanal de referência para todo o nordeste, ainda que desde a sua criação, em alguns dias específicos já contasse com música ao vivo, nem sempre tinha esse tipo de serviço e nos demais dias o fluxo era bem mais tranquilo.
Outrora referência, ele tinha um farto leque de cervejas artesanais locais, mas também completava a sua carta de cervejas no tap ou em lata e em garrafa com exemplares da mais alta qualidade do cenário nacional e também internacional.
Hoje, passados vários anos, e com mais duas unidades localizadas em outros pontos da cidade, o serviço, como relatam, caiu vertiginosamente, a oferta de cervejas nacionais é limitada a uma quantidade ínfima de cervejarias e inexiste mais cervejas internacionais em seu portfólio, exceto as de massa, como as cervejas de trigo de cervejarias alemãs (algo que se encontra na maioria dos supermercados de qualquer capital do Brasil).
Na verdade, acredito que esse bar denota a própria derrocada da cena cervejeira no estado de Pernambuco, que já foi exponencial para todo o nordeste, e até mesmo nacionalmente, e que agora pouco representa, tanto em termos de qualidade quanto de inovação. Uma lástima.
O outro bar, localizado no sul do país, na serra gaúcha para ser mais específico, de uma cervejaria cigana conhecidas por seus trabalhos singulares, de ampla variedade e com enfoque no envelhecimento em barris, acabou por ter uma mudança (relativamente recente) para a cidade vizinha e para um ambiente com vários andares.
A oferta na quantidade e na qualidade de taps continua algo estupendo (diferentemente do exemplo anterior, ressalte-se), contudo, também são relatados muitos problemas no serviço em virtude de ele ter se mudado para um ambiente de bar de balada, onde geralmente se toca música ao vivo no volume mais alto, sendo o sertanejo universitário ou o pagode os estilos musicais mais triviais.
Problemas como erros nos pedidos, música muito alta e público muito diverso do cervejeiro artesanal médio (sim, o indie barbudo passa longe da balada) são as descrições recorrentes dos frequentadores. Parece ser um contrassenso ter mais de 40 tipos de cerveja nas torneiras se o frequentador médio vai pedir um combo de vodca com energético… mas, talvez faça algum sentido, economicamente falando, atrair tal público incauto (cervejeiramente falando).
Saideira
Certamente, o tópico em que eu encerro os textos dá a entender que o bar de balada é algo precípuo para finalizar uma degustação de cervejas artesanais… já que é costume se pedir a saideira no final do empreendimento baladeiro.
Contudo, será mesmo?
Talvez… caso o barulho excessivo, a música de qualidade duvidosa, o atendimento meio mambembe e desleixado, o contingente excessivo de transeuntes e a pouca luz (ou a luz intermitente) não venha a atrapalhar quem lá esteja para degustar uma boa cerveja.
Eu, certamente, passo. Prefiro algo menos agitado para combinar com uma cerveja artesanal de qualidade. E você?
Recomendação Musical
Já que estamos falando de balada, não me veio outra música a cabeça que não a canção A Balada do Louco.
Inicialmente composta pelo grupo musical Os Mutantes, a canção viria a ser imortalizada posteriormente por Ney Matogrosso. Aliás, é a versão dele que vos trago como sugestão musical para se pensar se vale a pena (ou não) uma balada de louco em um bar com cerveja artesanal…
Saúde!