Capturei um Saci!

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Aconteceu no domingo passado, bem cedinho, durante minhas caminhadas matinais com meu cachorro Snow. Ao passar além do campo do Moura, ouvi um farfalhar incomum de folhas, saindo da mata urbana. Pois bem, veio acompanhado de um rodamoinho. Pensei alto: é Saci! Snow olhou para mim. Com olhos atentos, sentou nas patas traseiras. Latiu, parecendo aquiescer.

Lá estava ele, em cima de uma pedra grande. Acho que parou para descansar. Justinho como Cascudo o descreveu: pequenino, unípede – embora parecesse estar de perna cruzada – píleo encarnado, sorriso negro, maroto e pitando um cachimbo com gosto! Pendia, vez em quando, a cabeça para frente.

Me aproximei sorrateiramente. que o menino cochilava? Tomado de curiosidade, pus o dedo indicador na boca cerrada, fazendo sinal de calado para Snow; ao mesmo tempo em chegávamos bem mais perto, por trás da criaturinha. Na inclinação de mais um cochilo, arrebatei-lhe a carapuça! Virou rápido e fez cara de zanga. Ficou taciturno, mas logo percebeu que, agora, eu tinha domínio sobre ele.

– O que quer? Me indagou.

– Quero levá-lo para casa.

Homi, eu estou de passagem. Vô para o Sertão. Num vejo a hora de reencontrar o Curupira, o Lobisomem, o Batatão (Boitatá) e a Caipora, cumade Florzinha, sabe?

– Vou ficar com você só por uns dias.

– E acha que serei feliz preso, é? Pra que isso, homi? Diga logo o que realmente quer que eu faça? É assustar alguém, gorar ovos, queimar alguma comida? Fazer viajantes errar de caminho? Trançar crinas de cavalos ou burros? Se bem que não vi nenhum por aqui, lugarzinho sem graça esse, viu? Bom, mas esse seu cachorro peludo, aí, tem um rabo que dá para fazer isso!

Gargalhou! Snow latiu, retrucando.

Voltamos para casa. Disse-lhe que, aqui, tinha de fazer silêncio. E pitar, só do lado de fora. Adorou quando viu o meu bambuzinho da sorte.

– Posso dormir, ali, naquela taquara? Indagou-me. Não tem como eu fugir. Você está com minha carapuça.

– Pode! Assenti. Reclamou da luz dos “vagalumes gigantes”.

Qui djábo é isso?

– São postes com refletores, rapaz! Sorri.

Não gostou da luz artificial, pois só queria o lume da lua, que era minguante nesse dia – 31 de outubro.

Como é um ser encantado, abriu uma fenda e embrenhou-se no bambu. Fiquei pasmado! Dava pra ver um espiralzinho de fumaça saindo do bambu a cada pitada que ele dava.

Ao deitar, fiquei pensando no que o Saci falou: ir ao encontro de seus amigos, do rico saber popular nacional.

No dia seguinte, arrependido, devolvi-lhe a carapuça cedinho ao sair novamente para outra caminhada. Ficou radiante! Gargalhou! Me abraçou saltitante e, de repente, numa velocidade incrível, rodopiou ao redor de Snow e desapareceu.

Snow latiu pra mim, como querendo me avisar de algo. Seu rabo estava cheio de nós! Ah, Saci sapeca! O menino divinamente endiabrado tinha feito mais uma das suas! Ri alto!

O Saci estava certo, fiquei pensando em voz alta: vá embora; vá povoar a imaginação de nosso povo antes que um aventureiro alienígena o faça. Vá (re)conhecer Cascudos, Pedrinhos, Emílias, Marias e Narizinhos.

Vá e testemunhe o estridente assobio da Caipora; veja o Lobisomem se espojando na encruzilhada em uma noite de sexta-feira; ouça o ganido dos cachorros chibateados porque caçadores, desavisados, não levaram fumo para a comadre; assista à correria dos que se perderam e levaram um susto do Curupira, ente fantástico de pés ao inverso e calcanhares para frente.

Por fim, observe mais uma vez, o clarão do Batatão sob o luar ubiquitário do Sertão potiguar, do Seridó, da Taba-açu, do Agreste ou das praias de Macau!

Sandro de Sousa

Sandro de Sousa

Filho de Macau-RN, residente em Natal desde os 5 anos de idade. Licenciado em Letras Português-Inglês (UFRN), Doutor em Letras (UFPB) e advogado.

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