Breakfast Ipa: será que essa modinha cervejeira pega?

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Saudações, queridos bebedores de IPA! Vulgo, Ipeiros!

Albert Einstein uma vez disse: “Somente duas coisas são infinitas: o Universo e a estupidez humana. E não estou seguro quanto à primeira”. Eu acrescentaria às coisas infinitas: a criatividade do cervejeiro artesanal. E posso provar isso com o texto de hoje.

Quanto ao Universo ser infinito, não há muito o que se cogitar se é bom ou ruim. Quanto à estupidez humana, certamente é algo deplorável, vimos isso na prática desde outubro de 2018, ou, vulgo “o começo do fim do mundo”. No tocante à criatividade absurda dos cervejeiros artesanais também tenho minhas dúvidas se é algo essencialmente bom (como um todo).

O objeto de debate de hoje é mais uma modinha cervejeira. E como toda nova modinha, será que ela pega?

Quando uso o termo “modinha” não estou necessariamente depreciando o fato (pelo fato “em si”). É apenas uma novidade que, como tantas outras, pode pegar ou não. A modinha da vez são as Breakfast IPA’s. Ou, IPA’s de café da manhã, em uma tradução bem mambembe.

É uma invencionice cervejeira, que mistura alguns elementos já existentes e os aplica ao estilo cervejeiro de maior apelo, as IPA’s.

Engraçado perceber como até as Hazy IPA’s, na mais nova definição estabelecida pelo BJCP, em detrimento de NEIPA’s, já foram tidas como modinhas, inclusive pelo grande mestre cervejeiro Garret Oliver da Brooklyn Brewery (em 2017 ele afirmou que eram cervejas passageiras, só para postar foto no Instagram) e hoje ninguém cogita dizer que elas não são um sucesso.

Então, pode ser que essas cervejas vinguem, ou não, só o futuro dirá. Assim, hoje trataremos de falar de mais uma dessas “apostas” do curioso mercado cervejeiro.

Cervejas para o Café da Manhã… isso dá certo?

Tirando os alcoólatras (que sofrem de uma condição psicopatológica) e as pessoas que estão de férias (delas sim, nós sempre podemos sentir uma inveja branca), não soa normal que se consuma cervejas no café da manhã.

Ao menos no Brasil, essa prática não parece ser socialmente costumeira…

Como diria o grande Miguel do Gela Natal, só está permitido abrir a primeira cerveja do dia após as 10h da manhã. Talvez seja uma diretriz antialcoolismo, a qual tem toda a procedência. Nessa mesma esteira, é bem provável que, após esse horário, o café da manhã já tenha sido devidamente degustado pelo pretenso cervejeiro.

Todavia, noutras culturas, com perspectivas cervejeiras um pouco mais diversas, como é o caso da Alemanha e dos Estados Unidos, uma cerveja para o café da manhã não soe como algo tão estranho assim.

Na Alemanha, por exemplo, não é raro que se beba uma cerveja de trigo (Weiss ou Weizenbier) no café da manhã. Ela acompanha muito bem pães e bolos, já que seu perfil não tem aromas ou sabores muito fortes. Não obstante, ela é muito encorpada e não tem um teor alcoólico muito agressivo, algo que corrobora com a ideia de uma cerveja para o desjejum.

Nos Estados Unidos, não se tem exatamente a cultura de se beber algum estilo de cerveja para o café da manhã, todavia, alguns elementos comuns ao desjejum, como o maple (xarope de bordo) e o café (por vezes, até o tradicional bacon) acabaram sendo incorporados como adjuntos nas cervejas, e as cervejas produzidas dessa maneira acabam harmonizando bem com os itens do desjejum.

Dessa forma, surgiu a ideia da Breakfast Stout (inaugurada pela cervejaria Founders, e depois copiada por outras cervejarias), de uma Stout, bem incorporada, com elementos que remetem a itens do café da manhã.

Uma Stout de café da manhã

É necessário se chegar à conclusão de que a Founders acertou em cheio na sua Breakfast Stout. Seu único erro talvez tenha sido ter utilizado um bebê no rótulo, com um bowl de cereais cheio de cerveja. O erro já foi corrigido (por meio de um rótulo alternativo), o bebê foi retirado, e ficou só o icônico bowl, que é um dos símbolos americanos de café da manhã.

A Breakfast Stout é classificada, pela própria cervejaria, como uma “Imperial Coffee Stout”. Ela é feita com duas variedades de café (Sumatra e Kona), bastante aveia e um blend selecionado de chocolates importados. Ela, por si só, já combina de maneira magistral o café e o chocolate, dois elementos bem presentes no café da manhã, daí ser icônica por isso.

Todavia, a Opus Magnum da Founders é uma variante da Breakfast Stout, a KBS, ou Kentucky Breakfast Stout. Ela é uma versão envelhecida em barris de Bourbon da Breakfast Stout. Também se destaca por ser igualmente icônica como uma cerveja que emula o desjejum, a Canadian Breakfast Stout, ou CBS, que é feita com café envelhecido em barris que anteriormente continham maple, o xarope de bordo, comumente colocado sobre as panquecas (waffles). A KBS ainda é lançada anualmente, a CBS, infelizmente, foi descontinuada pela cervejaria e não é mais produzida.

Essas cervejas são exemplos de emulação de ingredientes do café da manhã que servem muito bem de adjuntos para as Stout’s. Isso quer dizer que essas cervejas são feitas para serem bebidas no café da manhã? Não necessariamente, contudo, não rechaçaria tal ideia de plano, dada a ótima combinação de elementos, que tal uma Breakfast Stout com panquecas?

A Breakfast IPA… combina mesmo com café da manhã?

É bem verdade que a ideia para uma Stout de café da manhã adveio, em larga escala, de uma premissa americana, ou melhor, do viés americanizado de ser imprimir uma demarcação cervejeira ao estilo.

cerveja breakfast
Foto créditos: Cafe am Marienplatz

Até porque é bem incomum aos brasileiros comerem, por exemplo, panqueca, no café da manhã. Aliás, essa ideia soa bastante diferente em qualquer outro país que não seja nos Estados Unidos, principalmente na Europa, onde a panqueca é “crepe”, e nem sempre é comida com adjuntos doces. Não obstante, até na Alemanha onde se toma Weiss no café da manhã, ela não é acompanhada nem por panquecas, nem por café.

Daí já se nota que a premissa de uma cerveja de café da manhã é localizada, uma forma de “harmonização geográfica”, e que varia muito em função de elementos culturais. De pronto, sobrevém a pergunta, se a construção do estilo depende dessas variações culturais, é viável uma Breakfast IPA?

Tomando-se etimologicamente que a IPA a ser feita se direciona para os gêneros alimentícios de um desjejum americano, pode-se imaginar uma combinação de alta lupulagem com outros adjuntos costumeiros da terra do tio Sam. Muito maple, café, avelã, e, eventualmente, lactose.

Nas Stout’s, essa combinação ficou muito bem feita, já que o malte torrado utilizado no estilo casou com muita harmonia com o café e o chocolate. O alto dulçor do maple também se inseriu bem nos conjuntos, muito em virtude do corpo maior e também do amargor mais intenso do estilo, não destoando tanto e ficando enjoativo.

Todavia, será que a mesma combinação é factível nas IPA’s?

A árdua tarefa de fazer Breakfast IPA equilibrada

É fácil perceber que a Breakfast IPA, diferentemente das Weizenbier, não é uma cerveja para o café da manhã, ela apenas se vale de ingredientes do desjejum para lhe serem adjuntos. Por mais que a experiência tenha sido válida e vitoriosa nas Stout’s, ainda fica o questionamento de quão expressiva essa experiência será para as IPA’s.

Comumente, as Breakfast IPA’s são classificadas como sendo Milk-shake IPA’s (as quais entram na categoria 29C, do BJCP: Specialty Fruit Beer, que se utilizam de uma base de Hazy IPA, com adição de frutas, baunilha (ou especiarias) e lactose. Todavia, esse encaixe nas receitas não é tão estanque assim, tornando-se bem flexível nas Breakfast IPA’s.

As Breakfast IPA’s, nem sempre tem a base de uma Hazy IPA. Também, é muito pouco provável que uma ela se utilize da adição de frutas, por fim, a lactose não é onipresente em suas receitas, aliás, é mais comum que ela não seja utilizada. É usual que as Breakfast IPA’s se confiem muito mais na utilização de maple e na adição de avelã (para dar aromas e sabores abiscoitados, lembrando casquinha de sorvete) que em outros elementos mais comuns às Milk-Shake IPA’s, como a lactose ou as frutas.

Ademais, a Breakfast IPA também recorrem a um perfil de amargor mais sólido do que as suas congêneres neófitas. São também acompanhadas de uma alta carga lupulada, capaz de provisionar desde elementos cítricos e também herbais ou resinosos, bem como também são hábeis em trazer algumas notas sutilmente amadeiradas, a depender da varietal de lúpulo utilizada em sua composição.

O grande desafio da Breakfast IPA talvez seja o mesmo que foi enfrentado pelas Milk-Shake IPA’s anos atrás, a tarefa de fazer cervejas que não sejam fortemente enjoativas. Um dos adjuntos que tende a ser o grande vilão (nos dois casos, saliente-se) é a baunilha. Quando utilizada em demasia, além de parecer artificial, ela é capaz de tornar a cerveja muito enjoativa e com a drinkability baixíssima.

Outros adjuntos também são perigosos nessa empreitada, especialmente a avelã, que, infelizmente, tem sido utilizada em excesso em algumas cervejas mais recentes no cenário nacional. É preciso saber dosar bem esse adjunto para que a cerveja não fique com gosto de biscoito waffer velho. Quando colocada em demasia, a avelã se torna uma vilã tão arisca quanto a baunilha, sendo necessário que seu uso seja feito com parcimônia.

Saideira

Equilibrar uma IPA com muitos adjuntos é uma tarefa das mais complicadas. É algo que já foi recentemente encarado na execução das Milk-Shake IPA’s, e que hoje se torna o grande tour de force da Breakfast IPA.

A maioria das Breakfast IPA’s que experimentei até hoje, e não foram muitas, já que se trata de uma novidade ainda não muito explorada, sempre pendeu para o excesso em alguns adjuntos. Por vezes, na baunilha, noutras no maple, e, em grande parte dos casos, por excesso de avelã (mas esse é um problema que também aflige outros estilos de cerveja, como, por exemplo, as Pastries Stout’s nacionais).

Dosar bem a alta lupulagem com uma miríade de adjuntos, que vai do café ao maple, passando por baunilha, chocolate e avelã (dentre outros ingredientes de um café da manhã de seriado americano) é uma tarefa das mais difíceis. São muitas variantes em jogo, e qualquer deslize em uma delas pode levar a uma cerveja enjoativa e desequilibrada.

Como dito inicialmente, a Breakfast IPA ainda é uma modinha, para alguns, promissora, para outros, passageiras, na verdade, apenas o tempo dirá a que ela veio.

Saúde!

Recomendação Musical

Claro que a recomendação musical de hoje tinha que ter “Breakfast” no título!

A escolhida foi um hit memorável dos anos 90! Breakfast at Tiffany’s (que também é o nome do filme famoso com Audrey Hepburn, traduzido no Brasil por “Bonequinha de Luxo”), da banda de rock americana Deep Blue Something.

Curiosamente, ele ficou muito famosa porque tinha “Breakfast” no nome, e muitas rádios a colocavam para tocar na hora do café da manhã.  

Nada mais justo que degustar uma Breakfast IPA ao som de Breakfast at Tiffany’s!

Saúde!

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

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A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

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