Últimos Poemas
Autores: Gregory Corso
Tradução: Márcio Simões
Editora: Sol Negro
Ano: 2023
Páginas: 170
Por Pablo Capistrano
Se a santíssima trindade Beatnik fosse um quarteto, o poeta nova iorquino Gregory Corso certamente seria o “quarto elemento” junto a Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William Burroughs.
Autor de mais de vinte títulos entre livros de poesia, romances e peças de teatro, Corso não é tão estudado, por esses nossos litorais, quando seus outros companheiros de geração. Desde que a mitológica editora LP&M de Porto Alegre lançou, em 1984, a tradução de Eduardo Bueno para dois dos seus primeiros livros – Gasolina, de 1958 e Lady Vestal e outros poemas, de 1955 -, Corso sempre aparece meio como um apêndice no quadro canônico da geração beat. Nada mais injusto com aquele que, segundo a dedicatória que o próprio Allen Ginsberg lhe fez em seu Selected poems seria um: “mestre da sabedoria, gênio americano do Idioma antigo e moderno, pai-poeta da concisão”.
Corso começou a ler poesia e descobrir a literatura na prisão, para onde foi mandando no final dos anos 40. Quando saiu da cadeia, com a cabeça cheia de ideias e livros, conheceu Ginsberg, aquele que seria um dos seus amigos mais próximos e defensor literário por toda vida, em um bar no Greenwich Village, mergulhando de cabeça na vida boêmia e literária daqueles anos.
Abandonado pela mãe com um ano de idade, Corso passou a infância e a adolescência em orfanatos, casas de adoção e reformatórios. Esses aspectos mais perturbadores e traumáticos de sua formação são, de certa maneira, matéria prima sempre recorrente de seus escritos, especialmente na sua poesia derradeira.
A coletânea de poemas que a Sol Negro traz em sua edição, com a tradução certeira de Márcio Simões, são o registro de 55 dos 110 poemas publicados em 2022, pela Lithic Press, contando, de quebra, com a introdução de Raymond Foye, que organizou a publicação norte americana junto com George Scrivani.
Escritos entre 1997 e 2000, esses são poemas extraídos do último manuscrito deixado por Corso antes de sua morte, de câncer, em 2001. Os poemas começaram a ser produzidos sob o forte impacto da morte de Allen Ginsberg, em 1997 e o livro abre com um poema feito em homenagem ao amigo falecido, escrito logo após o seu funeral, no Shambhala Meditation Center, na primavera daquele ano, em Nova York.
Outro fato que modela a produção desses poemas foi o impacto do reencontro com a mãe, que abandonou Corso quando ele ainda era uma criança. Aos 67 anos, o poeta reencontrou sua mãe, que não havia morrido na Itália como todos pensavam, mas que havia se mudado para Nova Jersey e vivia na cidade de Trenton, do outro lado do rio, ao lado de Nova York. Durante quase 70 anos, mãe e filho viveram a poucos quilômetros um do outro, sem nenhum contato.
Impactado por esses fatos, somados à morte de William Burroughs (alguns meses após a de Ginsberg) e, um ano depois, em 1998, do seu amigo Anton Rosenberg (figura que teria inspirado Kerouac a escrever o seu Subterrâneos); Corso toca com sua poesia temas universais e dolorosos como o processo de envelhecimento, a temporalidade, a iminência da morte e a sua dúvida sobre a própria condição de poeta com uma “imortalidade literária” garantida.
No poema “Digamos quando meu tempo acabar…”, Corso se pergunta se ele vai ser bem vindo na taverna onde Joyce, Keats, Milton, Auden e Whitiman bebem e confraternizam. No belíssimo poema: “Nunca prestei atenção às minhas mãos…”, Corso vê as marcas do tempo no próprio corpo, cauterizados pelos sinais da velhice que não conseguem se esconder em suas próprias mãos, e que se mostra, de modo obsceno, anunciando que o seu tempo na terra, com aquele corpo, está perto de acabar.
A coletânea também tem um sentido testamentário de ajuste de contas com o próprio passado, como no poema confessional (quase um bilhete) em que Corso cita seu vício em heroína e escreve, em um relato cru e direto, marcado por sua narrativa sintética: “a mãe terra fez a rosa como fez a papoula, uma questão de escolha; minha escolha foi matar a dor da vida… então escolhi a enfermeira imunda, a heroína”.
Apesar disso, mesmo diante desses temas densos e crus, não há, na poesia final de Corso a predominância de um sentimento de derrota. A fé na capacidade de transmutar a dor da vida em beleza, como no caminho nietzschiano da poesia, está presente em vários de seus poemas, inclusive daqueles mais doloridos.
Quando essa belíssima edição da Sol Negro me chegou às mãos, fiquei particularmente feliz em saber que uma editora do nosso estado está investindo na edição de traduções de poesia, como a desses últimos poemas de Corso. O capricho com que o livro foi produzido mostra que a qualidade editorial e a qualidade literária não precisam, necessariamente, andar separadas aqui na Taba de Poty.
No fim das contas o livro é uma ótima pedida para quem, como eu, aprendeu a sonhar com a literatura lendo os beats ou simplesmente ama se encantar com bons poemas; mesmo que sejam poemas sobre o tempo que se esvai e a morte que se anuncia, levando embora nossos amigos e nos lançando, sem cerimônia alguma, na solidão de nossas memorias, escondidas pelas marcas que a vida deixa na palma de nossas mãos.
Afinal, como escreve Corso: “nada pode ser dito à humanidade/ que ela ainda não saiba…/ o poeta apenas ilumina o saber / nas trevas de todos nós”.
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Ps .: se você se interessou pelo livro pode entrar em contato com a editora pelo e-mail edsolnegro@hotmail ou nas redes sociais pelo @solnegroeditora
1 Comment
O texto nos oferece uma visão fascinante de Gregory Corso. Quem conhece sua obra, decerto ratifica o que foi dito; quem não o leu, se sente instigado a conhecê-lo. Foi o que fiz. Busquei alguns de seus poemas e gostei. Parabéns, Pablo.