Abaixo o “bullying cultural”

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No meu artigo anterior “A Noite Mais Escura”, além de falar da importância dos circos na formação de cantores populares, contei como Moacyr Franco, cantando para uma plateia de apenas 15 pessoas num circo em Indaiatuba, conheceu a dupla João Mineiro e Marciano, que pediram ao cantor para regravar a música Seu Amor Ainda é Tudo. A canção, que não obtivera sucesso com Moacyr, foi um sucesso estrondoso com a dupla sertaneja e tornou-se uma canção imortal.

Como muitos cantores populares, durante anos eu cantei em circos, inclusive nos panos de roda (circos descobertos).

Para cantar nos circos, os cantores não recebiam cachês: ficavam com a metade da renda – rezando para não chover – e levavam alguém de sua confiança para ficar na portaria. Quando o dono do circo era “esperto” além do tolerável, os cantores levavam um “auxiliar” para ficar vigiando a cerca, a fim de evitar a entrada de pessoas “pelo arame” (a cerca de arame farpado que ficava ao redor do circo).

Ao longo dos anos, comecei a perceber que o fato de cantar em circos às vezes era prejudicial à imagem dos cantores, pois estes encontravam dificuldade em ser contratados para shows em clubes nas cidades onde se apresentavam em circos. Não raro os cantores enfrentavam o preconceito até mesmo de colegas que não queriam cantar em circos. Para disfarçar, os cantores que faziam shows com frequência nos circos de pequeno e médio porte, – eu entre eles – usavam, par disfarçar, a expressão “Teatro de Lona”, quando diziam que tinham shows em circos. Eu, então, fui mais além: quando acertava um show em um circo, dizia que ia cantar num TL (Teatro de Lona)…

Durante anos tive que enfrentar o preconceito de elitistas culturais e lutar para não sentir vergonha de cantar em circos. As coisas começaram a mudar quando, com o tempo, eu comecei a perceber algo que me ajudaria a lutar contra o preconceito: o tratamento respeitoso que comecei a receber de plateias circenses formadas por turistas, geralmente durante o período de veraneio, onde as praias eram “a menina dos olhos” dos donos de circos pequenos. Antes de conhecer o sucesso com a música Garotinha, eu não tinha repertório próprio e cantava músicas conhecidas de cantores famosos: Roberto Carlos, Jerry Adriani, Reginaldo Rossi, Adilson Ramos, entre outros. Aos poucos, comecei a perceber que na terceira ou quarta música que eu cantava, as pessoas começavam a deixar o circo o que, para qualquer cantor é terrivelmente doloroso. Resolvi mudar de tática e comecei a colocar no meu repertório músicas de artistas regionais, principalmente de Reginaldo Rossi. As coisas melhoraram um pouco, mas as pessoas continuavam a ir embora no meio do meu show. Até que em 1981 surgiu um gênio da produção musical chamado Alípio Martins, que produziu o LP de Carlos Santos com a música Quero Você, que foi um sucesso estrondoso. Em seguida, o próprio Alípio Martins lançou um LP pela gravadora Continental: o disco estourou com a música Garota e lhe rendeu o primeiro Disco de Ouro. A partir de então surgiu uma nova onda no mercado musical brasileiro começando pelo Pará, que depois se espalhou pelo Norte e Nordeste e posteriormente pelo Brasil; daí em diante eu passei a ter um repertório baseado no novo estilo e nunca mais as plateias dos circos onde eu cantava saiu na metade dos meus shows…

Estou fazendo esta narrativa apenas para mostrar mais uma vez o quanto os cantores populares (ainda) são vítimas de preconceito. Ou pelo menos foram: atualmente, onde toda forma de preconceito contra qualquer tipo de manifestação cultural deve ser exaustivamente combatida, os cantores populares começam a ser mais respeitados. Ainda bem. Só assim, os elitistas preconceituosos vão entender que qualquer tipo de manifestação cultural tem que ser respeitada.

Abaixo o “bullying cultural”!

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Foto: Alípio Martins e Fernando Luiz

Fernando Luiz

Fernando Luiz

Cantor, compositor, produtor cultural e apresentador do programa Talento Potiguar, que é exibido aos sábados, às 8 horas pela TV Ponta Negra, afiliada do SBT no RN.

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1 Comment

  • […] meus dois artigos anteriores (AQUI e AQUI) descrevi em detalhes a importância que os circos têm na formação de artistas populares, […]

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