A vida, amigo, é para profissional

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Dia desses comprei a nova edição do livro do jornalista Fernando Morais, A Ilha, editada há um quarto de século e reeditada com novo prefácio. Encartado no livro estava um marcador de páginas. Nela, o dizer: “Viver é Para Profissional”, com um jovem engravatado, de sorrindo confiante, olhando para o alto.

A inveja é a mais sorrateira e astuta das sentimentalidades. É difícil contê-la. E, ao ver a imagem daquele rapaz tão seguro de si, ela resolveu forçar o portão dos meus princípios. Não tive forças para segurá-la. Sim, tive inveja daquele sorriso de sucesso, um sorriso profissional de quem driblou os percalços da vida e hoje esbanja felicidade, na certa, também em propagandas de margarina, pasta dental ou cartazes afixados nos muros da cidade, afirmando que a vida pode sim ser alegre, bastando apenas ser um profissional.

Olhei para meu rosto no espelho, meio cabisbaixo. Precisei tomar alguma coragem para isso. Tive certa vergonha de vê-lo meio triste, sem o tal sorriso confiante. Era o retrato da derrota. Imaginei meu rosto em um outdoor, fincado defronte a um semáforo. Um olhar de angústia, um semblante de um desespero contido, bem camuflado, mas que denotava algum medo ou frustração. Não imagino do que poderia eu fazer propaganda. Talvez, pudesse ser um rosto estampado na capa do livro da jovem escritora francesa, Lolita Pille. Ela escreve sobre a utopia da felicidade e afirma que a vida é uma morte lenta.

Talvez meu rosto com olheiras e sem graça pudesse fazer parte do encarte do CD da banda neozelandesa The Veils. O líder da banda, Finn Andrews carrega uma melancolia áspera em seu vocal e letras, fazendo lembrar o primitivismo hábil do Velvet Underground, com algumas injeções do Joy Division, Placebo, Coldplay, Strokes… Parece ser a junção da boa música das últimas décadas. Seu discurso traz poesia e uma revolta fatigada, descrente. Não fala de mortes ou drogas, mas de perdas e culpas. Talvez coubesse bem como trilha sonora do livro da escritora francesa e seu conceito de felicidade impossível; talvez, soasse como o som dessa nova geração, de revoltas contidas e cansadas; essa geração de amadores, não-profissionais, que ainda não conseguiu viver, mas que rejeita ajuda; cansou de lutar para ser um profissional da vida e agora se conforma com o andar da carruagem.

Com essa publicidade de que Viver é Para Profissional, dividirei as páginas do livro de Fernando Morais. A obra trata da Ilha de Fidel, o autoritário cubano um dia escancarado na mídia americana como um dos homens mais ricos do mundo. Sem mostrar critérios de contagem, esqueceram de noticiar que a fortuna de Fidel é toda a economia de Cuba que, como sabemos, é estatal e até então era controlada pelo ditador. Uma dinherama equivalente a de alguns senhores espalhados pelo planeta.

E com essa publicidade de espetacularização reinante da geração fake, de falsas morais que pouco refletem a realidade, vou vivendo, sem lenço, documento ou sorrisos largos, apenas como estagiário.

Sérgio Vilar

Sérgio Vilar

Jornalista com alma de boteco ao som de Belchior

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2 Comments

  • Patrícia

    Bela matéria. Recheada de realidades cotidianas que todo mundo sente e não diz, mas você disse!

    • Sérgio Vilar

      Obrigado pela leitura e palavras, Patrícia! Toda terça estarei por aqui.
      Abraço!

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