D’abundâncias & escanchos

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Croniketa da Burakera #23, por Ruben G Nunes

Ontem, tardemansa chegando, fui tomar um cappuccino no Praia Shopping. Dou de cara com Pantoja e Jair, ex-alunos meus de Filosofia, aposentados do Banco do Brasil, e amigos de papos-desfilosóficos e confidências-de-cotovelo.

Voz cava e olharsorrindo Pantoja anuncia: “Rubão, agora é mundial! Mundial!”. Jair sorriu. E confirma balançando a cabeça.

Pensei na Copa do Mundo, nas terríveis vuvuzelas, no fiasco-Dunga, aliás em todos os fiascos das outras copas, inclusive nas “caidinhas” e nos dribles improdutivos do Neymar. Irra! Sapralá!

the big butt bookNo Café da Livraria pedimos cappucino e pão de queijo. Mas, o que é que é Mundial, mago-velho? – pergunto. Jair esclarece: “A preferência nacional!”.

Daí, Pantoja mostra no seu netbook reportagem sobre livro lançado nos EEE.UU, em 2004: The Big Butt Book (que de repente se pode traduzir como O Livro da Bundona), de Dian Hanson.

A autora é uma bela mulher madura de 60 anos, americana de Seattle. Contam que era ex-hippie. E acrescentam que era adepta do ménage à trois.

Dian é a responsável pelo departamento de sexy books da Taschen, considerada a maior editora de arte do mundo.

Entre outros editou: “The Little Book of Legs”, “Lesbian for Men”, “The Little Book of Pussy”, “The Big Book of Breasts”, “The Big Penis Book”.

Na capa, de “The Big Butt Book” uma mulher com belo traseiro e minicalcinha preta transparente. O livro traz mais de 400 fotos de traseiros femininos de várias épocas. Com entrevistas e opiniões de especialistas.

A autora entrevista o biólogo Dennis Bramble sobre como a ciência vê a importância do bum-bum e suas grandezas relativas.

Com certa lógica bizarra, o biólogo diz que do ponto de vista do equilíbrio físico as “enormes nádegas humanas não passam de algo que nos permite correr e impede que mergulhemos de nariz, sempre que um dos pés toca o chão”.   

No livro, Dian  Hanson, ela mesmo, registra com erótica franqueza: “Não me canso de ver rabos”.

la face cachée des fessesLembrei de outra reportagem, no Le Monde, em dezembro/2009. A pesquisadora Pochon e o jornalista Rothschild, após 18 meses de pesquisa, lançaram a obra, “La Face Cacheé des Fesses” (“A Face Oculta das Nádegas”). Editada pela Arte éditions. Na capa, foto sensual de mulher nua de costas.

De cara, os autores afirmam que a bunda “é a parte mais subversiva da anatomia humana”.

E que: “Quando falamos de nádegas, falamos de nós mesmos”

E ainda rematam que o rabo, além de prazeroso, é coisa social séria: “Há mil coisas a dizer sobre nádegas. Elas nos falam sobre fundamentos – no sentido literal e figurado – de nossa sociedade, os seus tabus e os seus desejos”.

Sem dúvida, há alguma lógica nessa concepção da bunda-fundamento. Não como uma essência pura ou causa filosófica: razão de ser de algo: aitía, em grego. Não bem assim.

Mas bunda-fundamento como conjuntura física da bunda servindo de base de apoio ao corpo do Homem conjuntado a um assento qualquer: cadeira, poltrona, cana, banquinho, chão, etc.

Nessa perspectiva prática, pode-se dizer que se trata da bunda como um fundamento de causa-efeito conjuntados.

Ou, num olhar d’escracho técnico: espécie de “cu-juntura”: bunda-cadeira, bunda-poltrona, bunda-banquinho, por aí…

Olhando sob esse ângulo, a História Humana, percebe-se que nas discussões e decisões sérias, das famílias, tribos, assembleias, parlamentos; ou mesmo nas diversões do teatro, cinema, jogos, circos, o Homem de fato está sempre sentado, relaxando – literalmente cu-juntando – suas nádegas sobre algum assento. De preferência uma “cu-juntura” confortável. Tipo Rei no trono.

Imagine se a famosa escultura “O Pensador”, do francês Rodin, estivesse de pé ou deitado, de bobeira, pensando na Vida e na Morte. Seria um destrambelho de Pensador.

Escultura de magnífica estética e força, “O Pensador” de Rodin, possui sem dúvida uma nobreza “cu-juntural”. Uma obra-prima. Sua cabeça se apoia nas mãos e na firmeza do pensar. Dá pra sentir o pensar dele saindo-revoando. Que nem vagalumes no cio. E sua bunda-fundamento se assenta na firme dureza da rocha.

Nessa concepção de bunda-fundamento, os autores de “A Face Oculta das Nádegas”, citam então Sartre: “A pátria a honra a liberdade nada existe: o universo gira em torno de um par de nádegas”.

S’avexe não, cumpadi, que o existencialismo de Sartre é assim mesmo. Mostra as carnavalidades da realidade fática cu-juntural, mesmo estrambóticas.

Bem, mas ambos os livros acima focados, embora falem de sexo, fogem da vulgar pornografia machista. E foram tidos pela crítica, em geral, como “sérios e lúdicos” e, por vezes, com pitadas de “humor libertino”.

O curioso é que embora o biólogo Dennis Bramble e o filósofo Sartre, acima citados nos livros, em suas referências a traseiros, se refiram a traseiros universais. Isto é: femininos e masculinos. Todavia, ambos os livros mostram imagens e fotos de traseiros femininos.

Que, diga-se logo: tanto do ponto de vista da criticada macharia-alfa, quanto do ponto de vista dos próprios autores supracitados, os traseiros femininos são muito mais generosos sedutores sexinspiradores que o esquálido e espetado traseiro masculino.

Que nem navio em maré picada, os bum-buns das mulhas, te jogam boreste-bombordo, caturrando, afundando, nas espumas dos desejos mais doidos.

E haja vagabundagem maruja pelos portos do mundo, my friend!!!

Há neles, nos bum-buns de mulher, como quê, uma vida própria. Há neles movimentos que te envolvem em ondas de ímpetos selvagens das cavernas e ternas carícias de motel e lua de mel. Há neles desejos e vôos te chamando aos brios e correções monetárias.

E falam. Quando passam bum-buns-feminas falam com todos e cada um. Que sejam de qualquer raça, sexo, religião, ideologia… é o mundo todo, parça!

E o que dizem os divinos rabos?

Falam num quase-murmúrio de acocho, chefia: “… Me olhem desgraceiras, me olhem bem… olhem bem e sintam… no meu balanço a Vida e os Destinos… o abismo infinito de sonhos, divinações… os curruchios das bagaceiras… e escanchos do ApocalipseCráu!..”.

E haja disritmia, meu parça!!!  

Moralismos repressores à parte, de fato, há na bunda feminina para além do vuco-vuco chapa-quente, para além dos machismos grosseiros e impostos a pagar, uma estonteante volumosa-voluptuosa carnespiritualidade.

O carnespiritual é estado essencial da natureza humana. Que é sem dúvida um estado de meia-maluquez herdada dos deuses-uivantes. “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança” (Gn. 1, 26).

E hajam vícios chapados nas ligações carnespirituais, meu santo!!!

Assim, nem somos só fumacinha-espiritual, que é coisa de deuses-dos-legítimos, dos anjos-trans ou dos bósons de Higgs. Nem somos só carne, que é coisa de açougues e churrascos.

Somos carnespiritualidade desconjurados.

Saramago, esse escriba-portuga que sabe das coisas, diz que “o espírito não vai a lado nenhum sem as pernas do corpo, e o corpo não seria capaz de mover-se se lhe faltassem as asas do espírito”, in Todos os Nomes, pp. 73 e 74, 2003. Ed. Planeta DeAgostini, Coleção Grandes Escritores da Atualidade, São Paulo – SP.

Mas o que quero dizer é que há nesses livros acima, sobre traseiros, tanto n’O Livro da Bundona, quanto n’A Face Oculta das Nádegas, um eco cultural dos tempos. Não eco machista grosseiro e degradante da história patriarcal humana.

Mas eco do religare humano com a transcendência. Ou seja: eco da perene busca de nossa “ligação” com os Mistérios que nos cercam dentro e fora de nós. E que também flui da cultvisão quase-divinatória e carnespiritual, do rabo-de-mulher.

E por que o rabo-de-mulher, mon ami?

Porque, apesar de chula, a forte expressão – “rabo-de-mulher” – nos sacode pra valer, dos bagos à alma. E nos faz sentir intensa a mix-encantatória envolvência de sua materialidade-com-transcentalidade.

Desejo e divinação.

Como poetiza com fina sensibilidade carnespiritual Walt Whitman, em “Folhas de Relva”, 1892: “Esta é a forma fêmea/ dela dos pés à cabeça emana um halo  divino/…/ ela chama com ardente atração irrecusável/…/ cabelo, peito, quadrís, curvatura de pernas, mãos displicentes caindo todas difusas/…/ maré de influxo e influxo de maré, carne de amor inturgescendo e a doer deliciosamente/ inexauríveis jatos límpidos de amor…”

Divinação e desejo.

Destarte, desde o olharlentodescendo dos ombros, até a fronteira vulvar, contornando ancas e abismos, emana da nádega-femina poderoso estímulo a mistérios e fantasias. Nem só sexuais. Mas também de êxtase espiritual encantatório. Algo que liga sexo com o além-sexo. Tipo epifanias dos deuses-uivantes saudando, cheios de néctar ou quem sabe vinhos – as abundâncias imortais e mortais.

Nas Bacantes, tragédia de Eurípedes (480-406 aC), há a descrição de uma das seitas religiosas da antiga Grécia. Os Mistérios de Elêusis.

Onde belas matronas, em seu sacro culto – a Bacanal – iam para as montanhas, com Dionísio(ou Bacchus, Deus do vinho) e Príapo(Deus da fertilidade, que possuía enorme e peculiar falo – imbroxável).

E nuas e loucas, as bacantes, bebiam vinho e dançavam, meneando frenéticas suas ancas e abundâncias em honra aos deuses que nelas penetravam como deuses: “Com tua taça de vinho erguida no ar/ E tua orgia enlouquecedora/ Ao florido vale de Elêusis/ Tu chegas, Salve Baco! Salve Pã!/…/ Óh que alegria, que alegria/ desmaiar exausta, nas Montanhas/ Quando o fauno sagrado nos envolve/ E tudo o mais se desvanece!” ( Bacantes, Eurípedes)

Em outro cenário da antiga Grécia, Afrodite, deusa do amor, era também venerada como Afhrodite  Kallipygos, que significa em grego Afrodite Belabunda.

No templo de Siracusa, há estátua da deusa levantando a túnica, “dando um lance” no seu vistoso traseiro que ela olha no reflexo do lago.

Qual mulher não olha seu traseiro no espelho?

Essa intrigante imagem de Afrodite não é tão-só narcisismo estético ou lúbrico. Ou simples vaidade de mulher. Vai mais além. Há algo de moral-amoral. Ou até algo de psico-a-moral.

Mostra em ampla perspectiva, mesmo como simbolismo estético de Afrodite Belabunda se admirando, que o desejo de avanços, se vincula ao que vem de trás.

Ou seja: do antigo, da tradição, da trajetória, da história, do fundamento. Daquilo que vem do passado e te faz avançar e até voar em si mesmo.

Olhando, pois, certos ângulos segregados da História, a gente percebe que o esbugalhar d’olhos sarrando diante d’abundâncias passando em seus hipnóticos movimentos ondulantes sinaliza não apenas uma mundanidade libertina da VidaViva.

Há também nisso, nesse milenar gesto imoral-a-moral, de dar uma sacada na bunda que passa, um talvez eco de generosa mixmoral latente em nós. Certamente até inconsciente. Que numa certa medida também atua como um religare. Ou a constante “ligação” nossa com os Mistérios da Vida.

Mas é também engraçada… a bunda. Como poetisa Drummond de Andrade. Cito trechos de “A Bunda, que Engraçada”:

A bunda, que engraçada.

Está sempre sorrindo, nunca é trágica

Não lhe importa o que vai

pela frente do corpo. A bunda basta-se.

Existe algo mais?

(…)

A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.
Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.
A bunda é a bunda,
redunda

Redondas, e “redundas”, razões tem o poeta. A bunda é sempre risonha. E com  ênfase a bunda-de-mulher por naturalmente ser mais ancuda, expansa, graciosa.

Além do que, é solução contraceptiva natural e autosustentável para contrôles demográficos do planeta. Pra quê camisinha artificial? Ou ligadura de trompas?

Pablo Juan, argentino-amigo, ex-marujo dos sete mil mares e bares, que se achegou ao papo, sentenciou numa mistura de castelhano com portugues: “mís amigos hay siempre que exaltarse  los misterios traseros de las mujeresson nacos de transfiguración de las deusas…

Deu um longo gole na sua, dele, cerveja e rematou: …pero el esfíncter, compañeros, es uno aplicativo de los sietecentos mil demônios que te engata, esgana y arrebata hasta los trampos del escancho infinito…

Ruben G Nunes

Ruben G Nunes

Desfilósofo-romancista & croniKero

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