Do que são feitos os bons botecos?

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Sinto falta dos bons butecos de antigamente. Butecos escritos com “u” mesmo, e sem pedir licença poética à língua portuguesa porque buteco que é buteco se impõe como instituição cultural sem desejar a alcunha. Pergunte ao Vinícius. Daquele, uma simples discussão a respeito da alma feminina virava poemúsica. E o poetinha sabia onde achar a melodia certa da amizade em um bom buteco: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”.

Sinto, sinto, sim, falta de um roteiro lírico e sentimental para as manhãs dominicais ou para um encontro com amigos em horário agendado com a hora da sombra. Um cantinho afetuoso onde o garçom traz o de sempre sem perguntar; uma mesa com o time completo ou no máximo um ou outro contundido pela ressaca do dia anterior; de onde brotem causos e causas, filosofias e teorias de “butiquin” que costumam salvar a vida do perigo da realidade crua, porque butecos são também palcos da alegria ilusória e necessária.

Mas, o que é buteco? Não cabe descrição objetiva. É a mulher que você olha e se apaixona pelo simples jeito de caminhar. Você se casa, a paixão dura alguns anos até virar amor, companheirismo. Os mais simplistas defendem a ideia de que buteco precisa de banheiro, cerveja gelada e pronto. Nem oito nem oitenta. E nem quarenta. Pode ser um vinte e seis ou um cinquenta e oito. Ora, não precisa mulher de peito, bunda e pronto. Carece do charme; de uma pintinha no rosto; e algumas estrias. Ora, buteco perfeito é bar.

Butecos são saraus de discussão. É um passeio lírico e informal pelas reminiscências banais e sentimentais de aqui e alhures. Ali moram poetas sem poesia; cineastas sem filmes e boêmios os mais autênticos. Moram porque viver é morar; é exercer a arte do encontro recomendada por Vinícius. E os butecos têm sempre o tapete vermelho estendido aos profetas ébrios e especialistas de toda sorte. É o corredor por onde passam anônimos e antônimos.

É disso que sinto falta em Natal. Ainda se vê um ou outro buteco acolhedor no Centro Histórico, Ribeira, Redinha ou tomados por uma freguesia já dona do lugar, mas nenhum como extensão da minha varanda; um cantinho-refúgio, longe da sujeira invisível, gordurenta e hipócrita dos bares da vida.

Sérgio Vilar

Sérgio Vilar

Jornalista com alma de boteco ao som de Belchior

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