PAPO RETO com Cleudo Freire

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Cleudo Freire é daquelas figuras icônicas da música potiguar nos anos 80, da turma da MPB espalhada nos poucos e memoráveis bares de Natal. Um cara antenado às mudanças na indústria da música (ou da música sem indústria) e, mais do que isso, um estudioso das nossas tradições culturais. Me inteirei mais de sua obra ao escutar o clássico álbum do Alphorria, lançado em 1994. Entre as canções estavam ‘Aponto pro futuro’ e o hit ‘Banana reggae’. Persona ideal para um papo cultura bacana, reto, logo após um bonito show apresentado no palco do Bardallos, ao lado do amigo também cantor e compositor, Nelson Coelho, só com o Lado B de Caetano Veloso. Nas rápidas perguntas dessa seção, fomos do A ao Z do zambê:

Qual comparação da cena musical dos anos 80 com a atual?

Sempre acho a produção daqui legal. Só acho que, não só na música, mas em qualquer arte, tem que se sair da mão da BR para entrar no Rio Grande do Norte. Claro que nos anos 80 houve um boom em qualidade e quantidade. Mas hoje as redes sociais trouxeram a novidade da comunicação, da facilidade de se chegar ao público. Em nossa época nosso método era o cartaz na rua ou quando gente famosa vinha aqui pedíamos para eles abrirem um espaço pra gente. Hoje os caras têm uma independência enorme com as redes sociais. No início dos anos 80 tinha pouco espaço para a música autoral. Minha geração foi a que arrombou esse conceito. Nós tocávamos a nossa música e não a que tocava no rádio. E conseguimos isso. Até então só havia músicos de bares e trouxemos essa novidade. Antes de nós tinha alguma coisa nesse sentido com o O Bando, Márcio Tassino, Lola e outros poucos. E hoje isso voltou. Tem o espaço dos festivais, tem as redes sociais com clipes dos caras ou até fazendo ao vivo. É um momento muito favorável à música autoral.

Você é estudioso do assunto. Qual a música de mais identidade com o RN?

Zambê. Na lata, não tem o que pensar, é o zambê. O zambê é a música que caracteriza o Rio Grande do Norte e é a célula raiz da música brasileira. Zambê é uma música do cacete; as divisões rítmicas, as letras, o modo de interpretação é muito próprio. E essa música mexeu comigo desde sempre. E o zambê permanece do mesmo modo desde quando os escravos aportaram por aqui, que foram muito poucos. A diferença foi o acréscimo de um instrumento que eles trocaram por outro chamado lata, mas o ritmo é o mesmo, sem influências externas, vivendo em um mundo isolado, de raízes mantidas. Uma coisa forte no zambê é que é uma música de origem negra, mas não vem de terreiro, de religião; vem puramente da brincadeira, diferentemente da brincadeira da maioria dos outros estados, que sofrem influência da música negra, talvez pelo número reduzido de negros no Rio Grande do Norte. É sim, uma dança machista, digamos, porque é uma dança para homens, embora hoje haja abertura para mulheres.

A modernização do zambê com o zambê crossover, descaracteriza a tradição?

É uma coisa de feeling. Nasci e cresci com o rock. E o zambê me conquistou depois. Então não tenho como compor música própria sem esses dois elementos. E não sei se é legal ou não. Eu não tenho esse conceito folclorista, de enxergar a ideia do zambê como folclore, mas como ritmo. Aliás já fizemos o zambê crossover junto com o grupo de zambê mais tradicional do Estado, oriundo de Tibau; show juntos, com guitarras, bateria e eles gostam, eles cantam minha música. Minha levada de guitarra é uma levada do zambê e eles reconhecem isso facilmente. Então não sei se isso é descaracterizar. Assim como a lata, a guitarra também chegou ao zambê.

Diante da fragmentação das redes sociais e plataformas variadas para abrigar músicas, faltam hits. Você acha que falta uma ‘Linda Baby’ ao cenário musical atual potiguar?

Não tem como criticar ninguém, mas acho que uma letra e melodia cativante é característica da música brasileira. Tem uma canção minha e de Nelson Coelho, composta em 1982, que as pessoas pedem até hoje. Acho que isso está se perdendo. Acredito que na música haja um reflexo das redes sociais: você publica uma notícia pela manhã, ao meio dia tem uma repercussão dessa notícia, às duas horas da tarde aparece uma novidade e no fim do dia a notícia já está totalmente diferente da original, embora seja a mesma notícia. E a música está mais ou menos assim, digamos que meio líquida; ela não chega a digerir; ela simplesmente passa.

Quem você pensa que é?

Penso que sou um roqueiro. Então, estou fora de época, mas ainda roqueiro, seja na postura, no modo de compor ou na brincadeira irônica com as letras.

https://www.youtube.com/watch?v=aKO3MbKFIk8

Sérgio Vilar

Sérgio Vilar

Jornalista com alma de boteco ao som de Belchior

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