Anchella Monte mistura fábula e poesia em novo livro

Anchella Monte

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A escritora Anchella Monte publicou recentemente seu mais novo trabalho, A gotinha que não queria chover (Selo Gajeiro Curió, 2023).  Com apoio do Sebrae e Unigráfica.

A obra totalmente ilustrada pela artista plástica Clarissa Torres, nos traz a história de Tico, uma gota de chuva que não queria cair das nuvens. Numa mistura de fábula e poesia, a estória de Tico para nós tem uma simbologia que remete ao amadurecimento, a nos desprender de determinados incômodos da vida, de libertar-nos, da dificuldade para enfrentar o novo, de quebrar paradigmas impostos pela sociedade.

Contudo as oportunidades que aparecem para Tico durante a narrativa o convencem a mudar de ideia (não vamos contar toda a história para não dar spoilers). Seria lugar comum dizer que a obra está permeada de uma ampla linguagem simbólica, conduzindo pequenos, e grandes, leitores pela via da identificação a se encontrar consigo mesmo, a ter seu mundo interior traduzido em símbolos no mundo exterior.

Comumente os gêneros da literatura infantil, mais conhecidos, ou mais divulgados, são evidentemente os contos de fadas, em seguida talvez as fábulas, as lendas e também os mitos, bastante utilizados como leituras destinadas às crianças. Muitos desses livros são melhor aproveitados pelas crianças por terem mais abertura para imaginação, estarem mais abertos para o novo, etc, sem falar no próprio valor intrínseco das estórias.

Anchella Monte possui uma vida inteira dedicada às letras. Estreou oficialmente na literatura com o livro Passagem, coletânea de poemas com participação de Erinaldo de Souza, Estêvão, J. Fernandes e Vicente Vitoriano.  A obra foi publicada em 1976, e o grupo, foi tema de uma matéria à época no jornal Tribuna do Norte. Passagem tem na capa uma imagem feita a partir de uma fotografia de autoria de Erinaldo, um dos componentes do quinteto. Eles datilografaram o trabalho, com aquela letra de máquina de escrever e o editaram na Escola Técnica, na época ETFRN, hoje IFRN.

Passagem é um livro interessante, mas, deixa clara a marca da juventude dos autores aspirantes.  Anchella cursava 2º grau e os demais, recém entrados na faculdade. Não tinham dinheiro, mas fizeram 300 exemplares, não conheciam autores do RN, todavia foram até Nati Cortez, indicada por um amigo, e ela escreveu o singelo prefácio. No ano seguinte, 1977, Anchela entraria para a Faculdade de Letras, conheceu, dentre outros, Eulício Farias de Lacerda e Jacirema Tahim, escritores que foram seus professores. Anchella Monte, curiosamente, na época assinava Anchella Fernandes (o Fernandes do pai.). O grupo de “Passagem” chegou a ser entrevistado por Berilo Wanderley no seu programa, na TV Universitária.  Em 1977, a jovem escritora cria, com amigos, o jornal alternativo “Letreiro”, na UFRN e, no ano seguinte, publica novo livro de poemas coletivo, “Ato”.

Anchella começou a escrever poemas ainda menina. Cearense, nascida em Fortaleza, é filha de Henrique Fernandes Silva e Maria Salete Monte. Migrou junto com os pais, ainda bebê, para Natal e depois passou a morar em São Paulo. De volta para a capital potiguar, em 1974, cursaria o ensino médio. Suas primeiras leituras foram os contos de fadas, depois Monteiro Lobato e José Mauro de Vasconcelos. Professora de Língua Portuguesa, lecionou nas redes pública e privada, e continua atuando na rede municipal de ensino.

Já no século XXI Anchella publicou vários outros livros, individuais: A Trama da Aranha (2001), Temas Roubados (2006), Pesos e Penas (2011), todos pelo Sebo Vermelho Edições, e Entre Tempos (2015) pela Sarau das Letras. Em 2021 lançou sua primeira obra voltada para o público infantil, Historias de Crianças.  Colaborou em diversos periódicos culturais com poemas, resenhas e contos. Como professora, coordenou os projetos de leitura Poesia Potiguar em Cena, Poesia ao Microfone e O Autor é Leitor, nas redes pública e privada. E tem sido referência quando o assunto é poesia no Estado, sempre atendendo a convite para  mesas e debates.

A seguir transcrevemos trecho de um artigo que publicamos na época do lançamento do livro Entre Tempos. “Neste livro é muito marcante a presença da memória, das lembranças: “Quando eu era pequena/tomava banho de rio” … Esta, aliás, é uma das características mais fortes da sua poesia, não só nesta obra, como também nos livros anteriores. A natureza: “Era uma vez um pé de fícus/ guardadas as pás/ as folhas que não ventam mais/ um tronco dilacerado” … A causa social: …” Os passos do menino seguiram/marcados pelo peso do carro/ pesado em sua infância operária” … Além de outras temáticas de natureza humana, como o próprio ato de amar “Fraternal”: “Depois que eu fui mãe/sou mãe/ Em tudo há um cheiro de leite/de toalhas com lavanda” …

O acentuado lirismo de Anchella Monte traz marcas, traços, registros de fatos e coisas que, às vezes, estão ao nosso redor, e não paramos para observar, talvez porque a modernidade, as novas tecnologias, estão nos afastando do lado simples da vida. A propósito, o estudioso Alfredo Bosi disse certa vez que a poesia “parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender”.

Aspecto igualmente importante que vale ser destacado na poesia de Anchella é a proximidade com a prosa, e o seu vínculo com a musicalidade, aliás, não à maneira de Verlaine, porém perto do que Valéry fez, em “Varieté III”, por exemplo. Mas, nos versos de Anchella Monte a palavra não é empregada como puro som, um adereço fônico, mas, sim atendendo exigências como um instrumento transmissor de pensamento e ideias universais.

Sobre outro livro de sua autoria, Haicais imperfeitos (Sarau das Letras,2020).  Escrevemos resenha para este jornal de Fato: “Nessa obra, a poeta trabalha os versos em forma de haicais, destacando sobretudo a observação do eu lírico para os elementos da natureza. Evidentemente, não segue à risca os modelos e rigidez das métricas do haicai tradicional como querem alguns, contudo a poesia está lá, em seus versos, liberta de rigores como já fizeram vários outros poetas nacionais, alguns inclusive nascidos aqui no Estado, como Lívio Oliveira, Jarbas Martins, dentre outros que adaptaram, digamos assim, a esse tipo de verso características e experimentalismos tipicamente brasileiros. Por isso Haicais Imperfeitos, como o título sugere, sob essa perspectiva, é um trabalho experimental, porém muito interessante que vale a pena ser lido. Vejamos a seguir um dos poemas:

Pena azul presa

à orvalhada telha:

lírica incerteza.

Vale lembrar que a autora, ao lado de outras poetas de sua geração, traz consigo os méritos de ser herdeira de uma tradição poética feminina muito forte em nossa região. Em 2013, fizemos entrevista com Anchella Monte para o livro Impressões Digitais- Escritores Potiguares Contemporâneos, vol. 1, na obra. a autora deixou importante depoimento para as futuras gerações.

Thiago Gonzaga

Thiago Gonzaga

Pesquisador da literatura potiguar e um amante dos livros.

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