“Stout Raiz” tem gosto de cinzeiro?

stouts

PIX: 007.486.114-01

Colabore com o jornalismo independente

Saudações, a todos os cervejeiros! Do Ipeiro ao Stoutzeiro, e, claro, não podemos esquecer dos Sourzeiros também.

Hoje vamos falar de um tema que o nobre David Godoy, amigo de longa data, rememorou-me. As Stouts tidas como “raiz”, ou seja, mais fiéis aos receituários mais antigos do estilo Stout, costumam ter gosto de “fundo de cinzeiro”. Vamos falar então da Stout Raiz e sua alta torra, ou suas cinzas.

Em contraste com as Stouts mais, digamos, modernas, que possuem um dulçor mais proeminente e um perfil torrado bem mais aprazível, as Stouts com modelagem mais antiga costumam exibir notas de cinza muito fortes.

Algo que beira a adstringência.

O contexto dado me levou ao seguinte questionamento, o qual desenvolverei no decorrer do texto, tentando chegar a alguma conclusão plausível. A incorporação de notas extremamente torradas ainda é um requisito necessário para se produzir uma Stout?

Se você ficou curioso, segue abaixo o fio da meada!

A torra nas Stouts agride?

Uma grande parcela dos degustadores de cerveja artesanais, principalmente aqueles mais focados em estilos claros, de IPA e de Sour, tendem a não gostar das Stouts. A principal reclamação, ou, melhor dizendo, o argumento mais contundente que eles trazem é que a torra nas Stouts é forte demais.

Claro que é necessário conceber que o apontamento em tela é feito quando se trata das Stouts tidas como raiz. Aquelas Stouts à moda antiga, em que o uso de adjuntos é restrito e o principal ingrediente é o malte torrado mesmo.

Decerto, não é apenas algo incorporado ao estilo, ser torrada em excesso. Pois, sabe-se que qualquer insumo torrado em demasia leva a notas sensoriais desagradáveis, como, por exemplo, adstringência. Isso é algo fácil de ser notado, tanto que é a principal forma de diferenciação entre os cafés especiais e os de supermercado (leia mais AQUI).

Contudo, o mesmo (ou não da mesma forma) acontece com as cervejas artesanais, haja vista não ser costume ver Stouts raiz artesanais à venda em supermercados apenas porque são mais torrada. Inobstante, a torra muito assertiva acaba por distanciar alguns cervejeiros do estilo, fazendo que eles busquem outros tipos de cerveja.

Malte muito torrado sempre é necessário em uma Stout?

Acredito que se o leitor for um ferrenho defensor tradicionalista de receitas à moda antiga vai discordar frontalmente da resposta que tenho a dar à pergunta feita no tópico em apreço.

Obviamente que o malte torrado é o principal elemento da produção de uma Stout (em suas mais diversas variantes, da Dry Stout à Russian Imperial Stout), o ponto a saber, para responder corretamente à indagação é o de se chegar ao equilíbrio final da receita. Existem alguns adjuntos que podem atenuar a sensação forte da torra na boca, adição de chocolate, aveia, e, nos casos mais modernos, maple (xarope de Bordo) e mil outras coisas que atualmente são utilizadas.

Todavia, em termos de uma produção mais restritiva (com adjuntos), também é possível dosar a receita para que ela não seja sobrecarregada na torra. Isso passa não apenas pela maltagem a ser utilizada, mas, também pelos lúpulos escolhidos, já que lúpulos de amargor podem reforçar a percepção torrada.

Das cinzas ao cinzeiro… a escolha por Stouts mais equilibradas

Nem todo mundo gosta de beber uma cerveja na qual se tem a impressão de ter acabado de passar a língua no fundo de um cinzeiro. Pois, a percepção da torra (e da cinza propriamente dita) é algo muito real e tomado por dominante em alguns conjuntos cervejeiros.

Há quem se orgulhe de produzir uma verdadeira Stout ponta de cigarro (provavelmente, se tivesse o selo Marlboro do filtro vermelho ele também se locupletaria em tê-lo – a proposito, essa é uma #publi não paga, me patrocina, Souza Cruz!). Contudo, em termos de apreciação, um pouco desamarradas dos manuais cervejeiros até, uma Stout que não tenha como centro sensorial a torra é algo sempre bem aceito.

Engraçado reparar que, como temos a noção de cafés também torrados em demasia (para esconder defeitos de produção), é comum igualar as notas de cinzas das Stouts à notas de café. Assim, quando uma Stout é demasiadamente torrada é comum se dizer que ela tem muitas notas de café (vou além, é São Braz, extra forte! Ai meu Deus, outra #publi).

Ela é uma dissociação cognitiva fundada no costume de se beber café ruim, daí achamos que as notas adstringentes da torra na Stout são café… quando na verdade são apenas a borra da bituca.

Uma Stout, ainda que raiz, sem adjuntos, pode ter um equilíbrio fino, sem recorrer à torra excessiva como elemento sensorial dominante. Sou à favor de mais Stouts raiz, e, claro, de mais Stouts equilibradas, sem gosto de cinzeiro!

Afinal, se eu quisesse sentir gosto de cinza eu fumava um cigarro, ou ia beber na frente de uma fogueira de São João… algo do tipo.

Saideira

Não acredito que a Stout butiquinha seja a preferida dos cervejeiros artesanais, longe disso. No entanto, não é raro encontrar alguns nostálgicos que amam aquilo que se convencionou chamar de Stout Raiz.

Inobstante, saliento mais uma vez, toda Stout tem seu grau de torra. É do próprio processo produtivo de se ter um malte mais escuro (preto) que se faça a torra. O problema é quando ela é excessiva e adstringente. Ou seja, temos a Stout Raiz e sua alta torra. O que costuma levar à confusão entre o que são as notas de cinza e o que são notas de café.

Notas de café são sempre bem vindas no estilo, alguma torra, também é algo a ser reverenciado. Mas, poupem-nos das Stout cinzeiro. Ninguém merece uma baforada em forma de cerveja.

Recomendação Musical

Se o tema hoje é sobre cinzas nas Stouts, nada mais adequado ter a icônica Azche zu Azche, da banda alemã de Industrial Metal, Rammstein.

A tradução (literal) do título da música é: das cinzas as cinzas. É quase que uma Stout (raiz) em cima de uma Stout (raiz).

Saúde a todos! Prosit!

 

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

Sigam-me no Untappd (https://untappd.com/user/Ericksen) para mais avaliações cervejeiras sinceras, sem jabá (todavia, se for dado, eu só não bebo veneno).

A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

WhatsApp
Telegram
Facebook
Twitter
LinkedIn

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais lidas da semana