Meu amigo Belchior

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Talvez seja a solidão, algum tipo de carência, não sei. Mas os ídolos são construídos por algumas dessas sentimentalidades. Tenho em Belchior um amigo. E por não ser tão popular quanto outras predileções sonoras, como Bob Marley e os Beatles, penso ser seu fã nº 1. Acho – como todo fã que se pensa nº 1 – que entendo suas mensagens melhor que ninguém. E nesse mundo de solidão e solidões, somos cúmplices em muitas delas. Vivemos as mesmas angústias, algumas poucas alegrias e uma vontade desiludida de viver o presente.

Num desses dias mofados do cotidiano, em que as tardes se alongam por horas congeladas, senti saudades do Belchior. E ele, como se entendesse minha agonia de rotinas arrastadas, tentou emprestar alguma esperança: “Cara, também tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro. Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro não”. E continuou: “Você não sente e nem vê, mas não posso deixar de dizer, meu amigo, que uma nova mudança, em breve, vai acontecer”.

Mesmo em ano eleitoral, discordei. Já não guardo o mesmo entusiasmo de outrora. Os tempos são outros. Política da desesperança; Desigualdade do caos. Hipocrisia em cada esquina, em cada rosto. Continuamos como nossos pais. Ele concordou, mas ponderou: “O passado é uma roupa que não nos serve mais. Cuidemos da vida senão chega a morte ou coisa parecida”.

Belchior exalta esse passado, os bons momentos que viveu na juventude, mas nutre alguma esperança no tempo-hoje. O conheço bem. O tempo andou mexendo com a gente, sim. Mas seu olhar é diferente com a cara do presente. Por isso a necessidade de encarar a realidade, sem a esperança da mente positiva, mas com a voz ativa.

Em comentários sobre John – outro amigo íntimo nosso – Belchior disse, como quem estivesse cansado das armadilhas das redes sociais que escancaram alegrias onustas: “Se liga, compadre, a felicidade é uma arma quente!”.

De fato. Belchior e Lennon sabiam das coisas. É viver a vida real. Essa é que é uma boa. Sem ilusões que apenas camuflam tristezas. Até relembrei uma frase que havia me dito ainda no começo de nossa amizade: “Graças a Deus perco sempre o juízo”. Ora, sem dúvida viver é melhor que sonhar. Ainda é. Há um mundo inteiro na estrada ali em frente. Vamos à luta. Valeu a dica, meu amigo, cantador das coisas do porão.


CRÉDITO DA FOTO: Gustavo Pellizzon/Diário do Nordeste

Sérgio Vilar

Sérgio Vilar

Jornalista com alma de boteco ao som de Belchior

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