Êta, vida besta, meu Deus

vida besta

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Tenho uma vida bastante comezinha, assim como comezinha deveria ser a própria palavra. Sou um cronista de poucas aventuras sociais, que vive de casa para o trabalho e do trabalho para casa, com pequenas empreitadas por supermercados e farmácias pela cidade, além de uma ou outra andança por aí, geralmente também a trabalho.

Isso faz com que eu tenha pouco a dizer sobre meus dias, sobre as figuras quase nada pitorescas que encontro, acontecimentos e insights poéticos que brotam dos cataclismas casuais em filas de banco ou locais públicos.

A verdade é que ando ensimesmado demais (é para juntar esta palavra à “comezinha” do início da crônica), que ouço mais do que falo e que minha vida não daria um livro, assunto de uma outra crônica que já escrevi por aqui.

Mais uma verdade, aliás: minha vida daria pouco mais que um panfleto de promoções de um mercadinho de bairro.

E, já que estou empilhando verdades por aqui, vai mais uma: eu sou um cronista invejoso.

Sinto uma inveja danada de bons cronistas capazes de dizer muito e de maneira interessante sobre o mundo em que vivem. Estes dias, por exemplo, estava a ler uma crônica escrita por um jornalista destas nossas terras a quem admiro muito e, apesar do pouco contato, gosto de chamar de amigo: Tácito Costa.

Tácito publicou em sua página pessoal no Facebook uma deliciosa crônica sobre os personagens que habitam as academias frequentadas pela classe média natalense. O jeito fluido e claro de dizer as coisas de Tácito me dá uma inveja danada. Sua capacidade de observar o cotidiano miúdo da gente, dele mesmo, com uma elegância e uma simplicidade tão singulares aumentam minha inveja.

Mais uma verdade: nem é a primeira vez que digo isso publicamente. Já o escrevi e tive a oportunidade de dizer a ele o que penso. Aliás, é uma alegria poder dizer a um escritor da admiração que temos.

Opa! Este cronista está tergiversando (somemos esta às duas primeiras: “comezinha” e “ensimesmado”).

A conversa inicial era que a vida deste cronista é comezinha, coisa simples, de nenhum alarido. É a vida de quem bate ponto no trabalho, passa horas resolvendo problemas burocráticos em frente a uma tela fria, coça a cabeça, estanca para uma xícara de café e volta para ser feliz em casa sem precisar pensar no mundo que fica do lado de fora da porta.

É uma vida que nem enche uma coluna semanal. É essa vida numa cidadezinha qualquer, em que um cachorro vai devagar, em que um homem vai devagar, em que as janelas olham devagar… o Carlos, aquele Carlos, sabe bem como é essa vida besta, meu Deus.


CRÉDITO DA FOTO: Reprodução/Maurício Arraes

Theo Alves

Theo Alves

Theo G. Alves nasceu em dezembro de 1980, em Natal, mas cresceu em Currais Novos e é radicado em Santa Cruz, cidades do interior potiguar. Escritor e fotógrafo, publicou os livros artesanais Loa de Pedra (poesia) e A Casa Miúda (contos), além de ter participado das coletâneas Tamborete (poesia) e Triacanto: Trilogia da Dor e Outras Mazelas. Em 2009 lançou seu Pequeno Manual Prático de Coisas Inúteis (poesia e contos); em 2015, A Máquina de Avessar os Dias (poesia), ambos pela Editora Flor do Sal. Em 2018, através da Editora Moinhos, publicou Doce Azedo Amaro (poesia).

Como fotógrafo, dedica-se em especial à fotografia documental e de rua, tendo participado de exposições que discutiam relações de trabalho e a vida em comunidades das regiões Trairi e Seridó. Também ministra aulas de fotografia digital com aparelhos celulares em projetos de extensão do IFRN, onde é servidor.

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