Salve, cervejeiros!
Hoje vamos falar de uma cerveja que personifica um estilo cervejeiro alemão em terras brasileiras, a mais nova adição no mercado popular: a Spaten!
Trata-se de uma cerveja de massa, que, no entanto, visa dar um upgrade na popularização de um segmento em crescimento, o de estilos alemães com um toque a mais de qualidade. O estilo dela é o Munich Helles, um tradicional estilo alemão, bem popular nas prateleiras dos supermercados da terra do 7 a 1, mas, que, por aqui, ainda não possuía nenhum representante (de maior capilaridade no meio).
Visando preencher esse vácuo, a detentora dos direitos de produção da marca, a “toda-poderosa” AmBev resolveu nos agraciar, em terras tupiniquins, com a produção desse mais “novo” estilo. E, assim, a Spaten integrou as fileiras cervejeiras do seu portfólio, passando a ser produzida por aqui mesmo, incorporando em sua estrutura de marketing a famigerada expressão “puro malte”.
Então, no texto de hoje, vamos debater um pouco sobre essa cerveja, analisar suas características de estilo e trazer um breve comparativo ao final com algumas outras cervejas que lhe servem de paradigma (Heineken e Beck’s), para poder tentar compreender melhor como se dará a acomodação da Spaten diante desse panorama.
Munich Helles: Importando um “novo” estilo
Existem alguns estilos cervejeiros que são bastante similares e suas diferenciações são deveras sutis. Tal particularidade (da similitude) não é algo próprio ou exclusivo apenas de estilos mais leves, também se aplica a outros estilos mais escuros e/ou mais pesados. Não é fácil, por exemplo, diferenciar, em alguns casos, uma Porter de uma Stout; ou uma Barley Wine de uma Wheatwine.
A mesma perspectiva analítica se aplica a alguns estilos mais populares, a saber, principalmente, com as Pilsen’s e com as (Munich) Helles. Ademais, ambos os estilos são facilmente confundidos com as Premium American Lagers, um terceiro estilo diverso dos dois outros citados. Apesar da possibilidade da confusão, é uma boa notícia saber que já há no mercado mais popular de cervejas ofertas nessas 3 vertentes.
A cerveja Spaten, que é a estrela do texto de hoje, é um verdadeiro baluarte estilístico no que se refere às Munich Helles, já que sua criação se confunde com o próprio estilo em questão. Sua criação remonta ao ano de 1894 (ainda que no rótulo tenha a menção ao ano de 1397, que é a fundação da cervejaria, embora tenha havido descontinuações ao longo do seu curso histórico até hoje), em Munique (daí se chamar Munich Helles), capital da Baviera (estado alemão ao Sul do mapa tedesco), pouco após a unificação dos diversos Estados independentes que se fragmentaram após a queda da Prússia.
A criação desse estilo se deu para competir com as cervejas Pilsner (ou Pilsen, como são conhecidas no Brasil), de origem checa ou de outros Estados mais ao norte no território alemão (há uma subdivisão no estilo em Pilsen’s checas e alemãs). As cervejas Helles tendem a ser um pouco mais secas, quando comparadas com as do estilo Pilsen. Esse sempre foi o seu diferencial histórico em termos de competitividade entre ambas.
A popularidade do (novo) estilo foi tão grande que ele se perpetuou e se estabeleceu como um dos estilos tradicionais alemães, sendo muito festejado nos folguedos populares, como na Oktoberfest (ao lado de alguns outros estilos, como a Märzen). Sua expressão como estilo cervejeiro consolidado é tão grande que o fato de a Spaten ter sido trazida ao Brasil simboliza bastante tal recrudescimento. Ainda que tenha sido criada em 1894, ou seja, há mais de 100 anos, ela é apenas uma “novata” no cenário cervejeiro tupiniquim.
Para poder termos um melhor dimensionamento do que isso representa, é imperioso conhecer o estilo tratado. Em termos gerais, o estilo Munich Helles é uma vertente cervejeira bastante popular na Baviera. São cervejas claras, limpas, fermentadas com levedura Lager. Sua cor costuma exibir um dourado brilhante, daquela maneira que agrada visualmente aos brasileiros (que não usam copo Stanley para beber suas cervejas). Ademais, possui um destaque maior para o malte, com leves toques de cereais no palato, com um ligeiro dulçor sendo percebido (algo bem acentuado nas cervejas “puro malte” do mercado nacional).
As cervejas do estilo Munich Helles também costumam ter uma percepção de lúpulo um pouco mais acentuada (quando comparadas com as Standard American Lager – as cervejas de massa do supermercado), e seu amargor também costuma ser um pouco mais marcante, sem ser agressivo de maneira alguma. O perfil maltado lembra um pouco o sabor de pão, mas sem se confundir com uma pegada caramelada ou frutada (que pode ser advinda de ésteres derivados do malte). Teor alcoólico na casa dos 5%, o que favorece ser bebidas em maiores quantidades. Não raro, em virtude de sua lupulagem, são perceptíveis aromas e sabores florais ou herbais, o que dão uma maior qualidade ao estilo proposto.
Diante de suas características, que agradam de sobremaneira o paladar da terra do Samba, não é difícil imaginar que a Spaten vai ocupar uma boa parcela de mercado. Sua alta drinkability, aliada a um sutil aumento na qualidade dos insumos utilizados na produção da cerveja, conferindo uma maior percepção maltada e também um amargor ligeiramente mais prevalente, fazem com que ela seja uma grande candidata a queridinha dos cervejeiros mais populares, e seja, certamente, uma boa opção nos bares e botecos Brasil afora.
Embate cervejeiro entre Spaten x Beck’s x Heineken
Dentro do contexto mercadológico das “cervejas de supermercado” existem duas categorias essenciais para as grandes corporações (leia-se AmBev e o grupo Heineken, que são os big players do cenário cervejeiro de maior porte). A primeira categoria é composta pelas cervejas de massa propriamente ditas, as que nem sequer se embrenham no marketing do “puro malte”, como, por exemplo, Skol, Antarctica, Brahma, etc. O segundo patamar é o das cervejas de massa que se intitulam premium, é justamente nesse segmento que a Spaten vem se inserir, como uma forte aposta do conglomerado do J. P. Lemann.
Nessa segunda prateleira cervejeira, a concorrer com a neófita Spaten, temos as verdinhas: a já estabelecida Heineken (Grupo FEMSA) e, a outra verdinha, a Beck’s, também do grupo da AmBev.
A princípio, a Beck’s, criada um pouco antes da Spaten, em 1873, na cidade de Bremen, mais ao norte no mapa da Alemanha, já perto da fronteira com a Holanda (país de origem da sua nêmesis), foi a escolhida pela AmBev para bater de frente com o predomínio da Heineken no segmento das cervejas premium. Pode-se dizer, até certo ponto, que o embate entre elas foi justo e leal, equilibrando um pouco a preferência dos cervejeiros, que alternavam entre as duas, a depender da cotação de mercado. A que estivesse com o preço mais atrativo costumava ser a escolhida do churrasco de fim de semana.
A Beck’s, assim como a Spaten no momento que vos escrevo, ingressou no mercado nacional com um preço muito acessível, fazendo frente à Heineken, ganhando bastante terreno e conquistando muitos adeptos. Contudo, após seu estabelecimento no relvado tupiniquim, ela acabou subindo abruptamente de preço, ficando atualmente bem mais cara que a Heineken (ainda que por centavos. Hoje, dia 13/10/21, a Heineken, em lata, custa entre R$ 4,20 e 4,50, já a Beck’s transita acima disso, chegando perto dos 5 reais).
O preço de inserção de mercado da Spaten é algo que vem chamando muito atenção! O preço da lata, na data supra mencionada, gira em torno de acessíveis R$ 3,49. Quase um real mais barata que suas concorrentes diretas, inclusive se comparada com a sua co-concorrente de grupo cervejeiro. Só por causa dessa diferença, ainda que pequena, a Spaten merece ser observada mais de perto, e alguma atenção especial de análise deve lhe ser dispensada.
Em termos estilísticos, as 3 diferem entre si, ainda que tal diferenciação seja algo muito sutil, principalmente em uma degustação menos pormenorizada (tal como é a sua proposta original, todas elas se propõem a ser uma cerveja premium para o dia a dia, nada muito elaborado ou requintado).
A Spaten, como já mencionado na seção precedente, é uma Munich Helles.
A Beck’s é anunciada no Brasil como “German Lager”, e no mercado internacional é vendida como “German Pilsner”. Ainda que não haja incorreção, apesar da diferença de nomenclatura (já que toda Pilsen é uma Lager), parece que no mercado nacional o termo “Pilsen” está um pouco saturado, daí a escolha mercadológica de nomeá-la de German Lager.
A Heineken é nomeadamente uma das grandes representantes do estilo Premium (American) Lager. O elemento “American” deve vir destacado, uma vez que a Heineken é holandesa, e não americana, de toda forma, não é incorreto nomeá-la como sendo uma Euro Lager, ou Premium Euro Lager, são apenas minudencias terminológicas. De fato, os três estilos apresentados por cada uma delas possuem algumas sutilezas diferenciais, mas que, no agregado, simbolizam pouco para quem vai escolher comprá-las ou não.
Em termos de rápida análise sensorial, podemos dizer que o amargor é um pouco mais destacado na Spaten e na Heineken, sendo bem menos presente na Beck’s. A coloração também é um diferencial bem notável entre elas, sendo a Beck’s mais amarelada, puxando para cor de palha, ao passo que a Spaten é bem dourada, aproximando-se bastante da cor da Heineken, que é um pouco mais escura (muito ligeiramente menos dourada e mais opaca).
Todas as 3 se intitulam puro malte, e, portanto se vangloriam da famigerada lei de pureza alemã de 1516 (a Reinheitsgebot). Isso faz com que elas tenham uma percepção maltada um pouco mais forte que as demais cervejas de massa, sendo a Heineken bem menos doce que as outras duas. Nesse quesito, aliás, a Beck’s é de longe a mais adocicada das três concorrentes, sendo a Spaten a mais equilibrada. Em termos de percepção de lúpulo, a Heineken exibe um floral ligeiramente mais destacado, seguido bem de perto dos tons herbais e florais da Spaten, ficando a Beck’s mais uma vez como retardatária em termos sensoriais.
De maneira conclusiva, a Spaten acaba parecendo ser a verdadeira concorrente da Heineken, tendendo a destronar a Beck’s no curto ou médio prazo como cerveja mais bem estabelecida do grupo da AmBev no segmento em tela (o das cervejas de supermercado intituladas como premium). Claro que a Heineken é muito bem condicionada nesse terreno e, ao menos por enquanto, não vê sua liderança contestada, nem em termos de popularidade, e também não em termos sensoriais (já que está muito mais bem estabelecida como uma cerveja “mais amarga” para o paladar nacional).
Saideira
Derradeiramente, podemos concluir que a Spaten introduz um estilo praticamente desconhecido no mercado nacional, o Munich Helles, e traz consigo, um preço acessível. Ela é uma cerveja que atende de maneira muito bem executada aquilo que se propõe: ser uma cerveja premium, capaz de concorrer diretamente com o domínio da Heineken.
Claro que a Spaten não se propõe a ser uma cerveja artesanal altamente requintada ou sofisticada, muito pelo contrário. Sua proposta é a acessibilidade, ser vendável, e ainda assim trazer alguma qualidade ao consumidor, ajudando a popularizar um “novo” estilo no Brasil: Munich Helles, ainda que abrasileirada. E, assim, com tais premissas, conseguir abocanhar parte do market share da sua grande opositora, a Heineken, indubitavelmente ainda favorita no paladar brasileiro.
Conclui-se que, nem mesmo os consumidores cervejeiros mais ligados ao consumo das artesanais deveriam se furtar a dar uma chance a Spaten, ela cumpre bem o seu papel e tem um nicho promissor, tende a ser um sucesso.
Recomendo.
Recomendação musical para degustação
Digamos que o tema de hoje não é exatamente recorrente (dentre os que eu geralmente costumo escolher). Por causa disso, a escolha da recomendação musical também não o é! Ela vai ser algo muito diverso do que eu realmente conheço (e aprecio).
Na verdade, ela me veio em uma das ótimas discussões cervejeiras que tenho com meu amigo David Andrei Godoy, e coincidentemente estávamos degustando a Spaten no mesmo dia em que o texto estava sendo desenvolvido (sem que isso tivesse sido previamente combinado!).
Em determinado ponto, ele disse preferir as versões de garrafa (tanto da Spaten quanto da Heineken), já eu, de outra banda, fico com as de lata, para prevenir o skunk (off-flavor gerado pela incidência luminosa nas garrafas esverdeadas).
De toda maneira, a recomendação é essa: Cerveja de Garrafa da banda de pagode Atitude 67, ou samba (?!) – ao menos é o que me parece, não sou exímio conhecedor desses estilos musicais, tampouco sei diferenciar-lhes.
Saúde!
11 Comments
Ótimo comentário e análise , Lauro , se houver indicaçao pro STC . me indica , 40 anos de cervejeiro.
Obrigado pelos elogios, amigo!
Pode deixar que a indicação é junto com a do STF, vou fazer o Lobby pelo seu nome!
Um abraço!!
Excelente conteúdo about beer.
Descobri a Spaten há cerca de 4 meses.
Ja migrei da Heineken p/ Spaten desde qdo provei pela primeira vez essa deliciosa cerveja. Incredible que chegou no Brasil tão recente.
Gostei da comparação dos três estilos – helles, american premium lager e german pilsner – a partir dos exemplos comerciais. Esclarecedor! Só faltou na resenha o estilo czech premium, como a Czechvar ou Urquell. Parabéns!
Obrigado, amigo!! Anotei a sugestão! Vou escrever um texto sobre esse tema! Agradeço a leitura e a sua contribuição! Um abraço!
muito interessante e esclarecedora a sua análise, Lauro … parabéns
Obrigado, meu nobre! Agradeço a leitura e as palavras gentis. Um abraço!
Quem tem mais açúcar heinekrn ou spaten?
Excelente análise!
Obrigado, amigo! Agradeço pela leitura e pelo comentário!
[…] tempo, desde 1872 (31 anos após o primeiro registro oficial de sua receita, feito em 1841 pela cervejaria Spaten) e perdurou com exclusividade até o século […]