Conhecendo Estilos #2: Barley Wine

Barney-Wine

PIX: 007.486.114-01

Colabore com o jornalismo independente

Com o intento de apresentar mais um estilo não muito conhecido do grande público, e que também não possui tanto apelo nem entre os iniciados do meio cervejeiro, na coluna de hoje vamos abordar o estilo de origem inglesa denominado Barley Wine.

Etimologicamente, o termo remete ao vinho (Wine), podendo ser traduzido de maneira livre como “vinho de cevada”.

Por mais que historicamente tenha sua relevância, não creio que seja o mais adequado, já que, nem toda Barley Wine, necessariamente, lembra um “vinho”, ainda que esse termo comporte muitas acepções em sua variabilidade intrínseca.

English Barley Wine

Como já mencionado, a origem desse estilo é inglesa, e ele acaba se parecendo com outros estilos que possuem uma alta carga maltada, como, por exemplo, a old ale e a wee heavy.

Todavia, existem traços distintivos marcantes entre eles, e no geral, as Barley Wine sejam as mais conhecidas (dos 3 estilos mencionados).

Com o desenvolvimento cervejeiro do estilo, acabou-se criando uma variação das Barley Wine, denominada de American Barley Wine, sendo o estilo inicialmente concebido posteriormente chamado de English Barley Wine.

Foto: brutusbeer.com.br

A diferenciação básica entre esses dois ramos seria os tipos de lúpulos utilizados para a criação de cada uma, sendo as American Barley Wine feitas com lúpulos mais cítricos e por vezes de um herbal mais característico das cervejas americanas.

Ao passo que as English Barley Wine se caracterizam por uma lupulagem mais “tradicional”, puxando para o terroso, resinoso, e na maioria das vezes, até mesmo inerte, para que os maltes possam ser os protagonistas nesse estilo.

Particularmente, gosto mais da escola inglesa nesse caso, já que possuem uma solidez mais robusta em termos de produção desse estilo, com sua maltagem diferenciada e bem destacada, trazendo notas potentes e vibrantes, com bastante álcool e um corpo de características médio-alta.

Barrel Aged Barley Wine

Usualmente, os estilos com maior carga de maltes e menos carga de lúpulo tendem a envelhecer melhor. O potencial de guarda é medido a partir desses fatores e também combinados com a questão da gradação alcoólica da cerveja. Quanto mais ela dispuser de uma farta carga de maltes e um potencial alcoólico maior, mais recomendada é a sua guarda e mais longeva será a cerveja.

Obviamente, que nesse cálculo não se leva em consideração questões como armazenamento e oxidação, que poderão influenciar fortemente as possibilidades de guarda.

De toda forma, essas características, que estão bem presentes nas English Barley Wine, fazem com que elas sejam ótimas candidatas ao envelhecimento. Ou melhor dizendo, a um bom envelhecimento, que é aquele que potencializa as boas características da cerveja e que não sofre um decréscimo (exponencial) com uma eventual oxidação ou redução de suas características de lupulagem.

A partir daí, o envelhecimento em barris (maturação em barris, de maneira mais técnica) também surge como uma boa opção para agregar mais valor a um estilo de cerveja já bastante complexo. Como dito no primeiro texto dessa coluna, o trabalho de envelhecimento em barris é algo bastante delicado e complexo, e que pode gerar resultados bem expressivos quando aplicados a boas cervejas.

Gran Finale da Artorius

Aproveitando-se da exposição técnica do estilo Barley Wine, aproveito para fazer a análise sensorial de uma das melhores cervejas já tomadas no estilo, e certamente uma das melhores, se não a melhor, cerveja já feita em terras potiguares (ela entra até no meu top 5 nacional).

Trata-se da Gran Finale da Artorius. Infelizmente, como o nome alude, essa é a produção final da cervejaria em relevo, é o Swansong ou canto do cisne[1] (metaforicamente falando) dessa cervejaria que viveu pouco, mas produziu bastante.

A Gran Finale é uma English Barley Wine maturada em barris que anteriormente haviam armazenado vinho do porto. Não cheguei a provar a base, antes da maturação em barril, mas posso asseverar seguramente que já se tratava de um caldo de cevada bastante complexo. E após o embarrilhamento, a certeza é que a complexidade foi elevada a níveis absurdos.

Análise sensorial

O resultado foi simplesmente fantástico. Espetacular! Tudo muito equilibrado. No aroma, bem maltado, com o barril muito bem inserido, notas de vinho, castanhas e amadeirado elegante, leves tons de xerez. No sabor, muito mais xerez, maltado altíssimo, caramelado, frutas secas, cerejas, uvas passas, corpo médio e uma percepção alcoolica baixa, apesar dos 9,5% de ABV.

O nível de complexidade atingido pela Artorius é algo salutar, a Barley Wine degustada é dotada de várias camadas de sabores, muitos tons e de variância ímpar.

O barril confere notas bastante complexas, realmente lembrando um vinho do porto, com seu dulçor característico de vinho de sobremesa, leve oxidação, e corpo inconfundível. Quem já teve a oportunidade de degustar um bom vinho do porto logo identificará as notas semelhantes entre esses dois líquidos sagrados. Méritos para o cervejeiro que conseguiu tornar essa experiência sinérgica e única.

Esse exemplar foi adquirido diretamente com a cervejaria, ao valor de 40 Paulus Jegues comemorando o dólar a (mais de) 5 reais. No entanto, em virtude de ser um lote único e de produção limitada já está esgotado para a venda direta, podendo ainda ser encontrado no mercado a preços menos convidativos.

Contudo, dada a complexidade e o alto calibre dessa cerveja, e também seu potencial de guarda de mais de 10 anos, é certo que vale cada centavo, caso você ainda a encontre, mesmo que por um preço um pouco mais elevado.

A Saideira

Barley Wine é um estilo não muito popular, talvez pelo seu elevado teor alcoolico ou também por sua alta complexidade, não é o tipo de cerveja que se degusta na beira da piscina ou se bebe em doses cavalares numa dipsomania[2] apocalíptica como se todos os geradores de transmissão de energia da Cosern tivessem acabado de explodir (como aconteceu com a empresa privada do Amapá, a Isolux).

É um estilo que se recomenda degustar com parcimônia, com calma, em temperatura ambiente, sem nem precisar gelar muito (ou melhor, nem precisa gelar), para que se possa alcançar todas as notas mais complexas.

Música para degustação

Derradeiramente, a Artorius parece estar encerrando suas atividades, o que é lastimável. Em virtude de ser seu Gran Finale, ou como dito anteriormente, seu Swansong, deixo como registro musical uma música do álbum “Swansong” da banda inglesa Carcass, chamada “Keep On Rotting in the Free World” (que seria a versão death metal da música do Neil Young, Keep on Rocking in a Free World, ainda que não seja um cover propriamente dito).

A curiosidade é que o Carcass chegou a acabar em 1996 (quando lançou esse álbum de despedida), mas retornou em 2013 e hoje permanece na ativa. Tomara que o mesmo ocorra com a Artorius, e um dia retorne para continuar fazendo cervejas fora da curva como a Gran Finale.

Cheers!

[1] Antes de morrer, o cisne “canta” uma última vez, conforme a fábula de Esopo, “O Ganso e o Cisne”

[2] Dipsomania é um estado de compulsão patológica por bebidas alcoolicas. Para se aprofundar sobre o tema recomendo a leitura de um artigo científico de minha autoria, denominado “Dipsomania: conceituação, direitos humanos e repercussões laborais”. Disponível AQUI.


FOTO de capa: www.hominilupulo.com.br

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

Sigam-me no Untappd (https://untappd.com/user/Ericksen) para mais avaliações cervejeiras sinceras, sem jabá (todavia, se for dado, eu só não bebo veneno).

A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

WhatsApp
Telegram
Facebook
Twitter
LinkedIn

1 Comment

  • […] ser feita para as chamadas Barrel Aged IPA’s (já falamos de uma delas, anteriormente, aqui no texto inaugural da coluna no Blog). Geralmente são Imperial IPA’s ou Double IPA’s, já que elas necessitam de um teor alcoólico […]

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais lidas da semana