A patafísica em O Supermacho, de Alfred Jarry

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Com narrativa datada em 1920, 19 anos antes de ser escrito, ou seja, em 1901, e publicado no ano seguinte pelas Éditions de La Revue Blanche, em Paris, O Supermacho, romance moderno, é o último romance de Alfred Jarry, editado em vida. Com tradução de Paulo Leminski, O Supermacho foi reeditado recentemente no Brasil, pela editora Ubu.

Alfred Jarry, inventor da patafísica, “ciência das soluções imaginárias”, conforme esclarece o termo na obra Gestes et opinions du docteur Faustroll, pataphysicien, é a inspiração, não só do dadaísmo, do surrealismo e, mesmo de Antonin Artaud em seu teatro da crueldade que, antes de escrever esta obra, fundou, juntamente com Roger Vitrac e Robert Aron, o Teatro Alfred Jarry.

A obra e a vida de Alfred Jarry também em muito contribuíram com outros movimentos de vanguarda na Europa, como o postismo, o absurdo e o pânico. Esse último, criado por Fernando Arrabal, Roland Topor e Alejandro Jodorowski, no início dos anos 60, em Paris.

O Supermacho é entendido como o “romance moderno”, tanto pela sua linguagem fluida, irreverente e irônica, quanto por lidar com a ideia de amor e do sexo a partir de um imaginário futurista, repleto de um humor bem atual, com diálogos divertidos e que, pleno de citações, se utiliza da peplun, uma escrita recheada de elementos das narrativas de inspiração bíblica ou mitológica.

TRAMA

Durante um jantar, diante de personagens da alta classe francesa no castelo de Lurance, a saber, um químico, um engenheiro, um general, um senador, um construtor de aviões, um cardeal, uma atriz e uma baronesa, o anfitrião André Marcueil, pronuncia a desconcertante e provocativa frase: “Fazer amor é um ato sem importância, já que se pode repeti-lo indefinidamente”.

Como uma espécie de tentativa de derrota do mensurável e do qualificável, trata-se de uma aventura sexual cuja tentativa é ultrapassar em 24 horas os setenta e cinco coitos do “Indiano celebrado por Teofrasto” colocando em paralelo uma corrida de Dez Mil Milhas, onde uma quintuplette, composta por cinco campeões ciclistas que competem durante cinco dias com uma locomotiva correndo a uma velocidade de quatrocentos quilômetros por hora.

A trama de O Supermacho, se dá a partir de uma longínqua expedição amorosa, como se fora uma grande viagem de núpcias, não no sentido geográfico e espacial que passassem por cidades, mas no plano poético, absoluto, o Amor em sua totalidade, como a rosa de Stéphane Mallarmé, a ausente de todos os buquês.

Mas mesmo nesse “amor pelo prazer”, podemos pensar em La petite mort (A pequena morte), o período refratário que ocorre depois do orgasmo que, geralmente, tem sido interpretado como a perda da consciência ou desmaio pós-orgástico das pessoas em algumas de suas experiências sexuais. Uma espécie de “gasto espiritual” ou da “força vital” após o orgasmo, como um curto período de melancolia ou transcendência.

Conforme Annie le Brun, no posfácio intitulado Alfred Jarry ou a reinvenção do amor, “se Sade foi o primeiro a ter desvendado a criminalidade indissociável do desejo, Jarry se arrisca na aposta escandalosa de fazer dessa criminalidade o fundamento do único amor possível”. Sustenta-se ai também a ideia de uma espécie de invenção do amor a partir da invenção do outro.

Fazendo uma ilustração com Shoppenhauer, sem entrar no mérito de que alguma coisa tenha necessidade de “dar certo”, uma relação por interesse tem mais chances de dar certo que uma relação por amor, considerando que em função de um interesse existe muito mais respeito de um pelo outro, em função mesmo do objeto interessado, ao passo que, por amor, há uma tendência ao fracasso, tendo em vista que a prática de exigir o outro aquilo que ele não é, ou seja, aquilo que foi idealizado.

Em O Supermacho, Jarry é um homem que ri e que faz rir. Talvez, como defendia Henri Bergson, o riso acompanhado de uma certa insensibilidade, oriundo das relações sociais e, de certo modo, cumprindo a função de servir de uma “resposta a certas exigências da vida comum”. No entanto, em Jarry, não se trata do riso do humor banal, mas do riso comédia. Um riso que está para além dos dentes e dos lábios, um riso que transcende a si mesmo, numa infinita e mortal proximidade com o divino. É um riso patafísico.

Enfim, O Supermacho da patafísica é o pobre homem-deus da técnica que coloca o seu caráter desfigurado, nu e torturado pela fidelidade ao seu destino. Destino esse, construído de soluções imaginárias, entre as memórias e os acasos.

Wilson Coêlho

Wilson Coêlho

Poeta, tradutor, palestrante, dramaturgo e escritor com 17 livros publicados, licenciado e bacharel em Filosofia e Mestre em Estudos Literários pela UFES, Doutor em Literatura pela Universidade Federal Fluminense e Auditor Real do Collége de Pataphysique de Paris. Tem 22 espetáculos montados com o Grupo Tarahumaras de Teatro, com participação em festivais e seminários de teatro no país e no exterior, como Espanha, Chile, Argentina, França e Cuba, ministrando palestras e oficinas. Também tem participado como jurado em concursos literários e festivais de música.

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