Com o perdão do trocadilho para o assunto, mas costumo dançar conforme a música. E o documentário The Beatles: Get Back, definitivamente, é um deleite para qualquer apreciador dos Beatles, mas não aprofunda questões nem sequer tenta explicar qualquer dúvida ou mistérios que cercaram e cercam o fim da banda. Então, sigamos o ritmo para tecer apontamentos igualmente superficiais que talvez valham para os colegas beatlemaníacos.
Antes, um resumo: o filme é dividido em três partes com duas horas cada, condensadas do material de 60 horas de filmagem e 150 horas de som do filme Let it Be. Podia ser mais enxuto. Mas é típico de Peter Jackson a duração estendida, como fez em nove longos capítulos da saga Senhor dos Anéis. E estendido, Get Back ganha material aos fãs e enfado aos apenas admiradores da banda. Sim, são briguinhas, piadinhas e discussões que pouco interessam ao fã comum, mas são pérolas aos beatlemaníacos.
Mas, vamos aos apontamentos triviais de Get Back:
1. Atmosfera pesada
A atmosfera do “Twickenham Studios”, primeiro local de gravações do filme, era sombria, escura. A iluminação artificial esverdeada, roxeada, parecia provocar um clima pouco amistoso entre os quatro, que na verdade pareciam bem entrosados.
2. Improvisação
Também neste estúdio se comprovou o incrível grau de improvisação na rotina de trabalho da maior banda de todos os tempos. Improviso nos equipamentos, no foco do trabalho… Realmente inexplicável.
3. Paul x George
Sem um propósito definido do que seria aquele projeto (se um programa de TV, um show ao vivo, um álbum ao vivo…) Paul meio que decidiu dar alguma ordem à bagunça e causou alguns entreveros, sobretudo com George.
4. A falta de Brian Epstein
Convenhamos, os Beatles eram muito jovens e inexperientes para tomarem decisões de negócios tão importantes. Gênios musicais, mas imaturos para tal. Brian Epstein era o cara para isso. Enquanto havia os terninhos, havia disciplina e alguém para ditar os rumos. Sem isso, alguém precisava comandar ou, como se viu em todo o doc, a bagunça reinava.
5. John e Paul
A amizade de John e Paul me pareceu extremamente sólida, mesmo naqueles últimos suspiros da banda. Ringo estava confortável em sua neutralidade. E George realmente destoava do clima amigável da banda, sobretudo no período de gravações em Twickenham.
6. Yoko não
O filme afasta qualquer insinuação de que Yoko foi responsável pelo fim da banda. Ou mesmo que houve algum único motivo ou pessoa.
7. George sim (?)
Na minha opinião, se houve algum pivô, foi George. Além de, irritado, abandonar as gravações em Twickenham, já na fase de filmagens na Apple, disse claramente e sem pudor que tinha tantas gravações próprias que desejava gravar um álbum solo, mesmo sem sair dos Beatles. E sugeriu, inclusive, que os outros fizessem o mesmo.
8. Ou Allen Klein?
Mas, na fase de gravações na Apple, o doc retratou um grupo harmonioso musical e socialmente. Estavam mais alegres, brincalhões, unidos. No entanto, os últimos segundos do filme deixam entender que a chegada do empresário Allen Klein mancharia esse clima amigável. As biografias dos Beatles também mostram isso. E a ideia de trazer esse estorvo à banda foi de John.
9. Ponto
Yoko adora gritar ao microfone. Fato.
10. Outras presenças
Bom registrar que, além da presença respeitosa de Yoko, Linda Eastman, a esposa de Paul, também compareceu em bons dias de gravação na Apple, inclusive em uns dois deles levando a filha Heather, de uns 5 anos,, que não parava quieta. Se alguém perturbou a rotina ali, foi a linda menininha.
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11. Billy!
Sou beatlemaníaco ou mccarneymaníaco, mas verdade seja dita: Billy Preston foi o cara mais legal no estúdio da Apple durante as gravações. O cara apareceu de bobeira no estúdio e entrou para a história da música como único músico a receber créditos como integrante em um disco dos Beatles.
12. E a simpatia de Ringo?
Ringo sempre foi o mais carismático ao longo da história da banda. Mas durante o documentário, pareceu sonolento, indiferente aos acontecimentos ou possíveis rumos que a banda levaria.
13. Gestação musical
Para este editor, assistir o nascedouro de clássicos musicais da banda foi o momento mais sublime do documentário. Um trabalho, digamos, artesanal. Get Back, por exemplo, é a mais emblemática. John se atrasa ao estúdio e Paul improvisa um riff e canta em referência à ausência de John: “get back!” ou “voltem”, e aos poucos vai aprimorando a canção.
14. O futuro estava ali
Something, de Harrison, também aparece em seu início de formulação, mas surpreende mais ainda canções que só seriam gravadas em discos solos dos integrantes, como Teddy Boy e Another Day (Paul), Jealous Guy (John) e All Things Must Pass (George).
15. Bônus indiscreto
Mas, claro, para o fã, escutar/ler conversas íntimas como se estivesse em um Big Brother cujos integrantes são os Beatles, é um deleite. Muitas vezes eles aumentavam o som dos instrumentos para conversarem algo mais sigiloso. Mas na edição, esse som foi anulado e as falas foram traduzidas. Em uma conversa reservada de John e Paul no refeitório foi colocado um microfone escondido no jarro da mesa e toda a conversa foi revelada no doc.
16. A música subiu ao telhado
Nem programa de TV, nem show em coliseu ou parque para a plateia. No ritmo das improvisações que marcaram todo o processo de gravação do Let it Be, os Beatles e os produtores decidem, poucos dias antes, subir à laje da Apple para a apresentação ao vivo. Mas, para quem até então só tinha visto flashes do show em outros docs, eu esperava mais da apresentação.
17. Repeteco tumultuado
O show na Apple foi uma metáfora do fim da banda e mostrou a desorganização, o improviso, o talento musical e um clima indiferente da população para uma apresentação nada menos que histórica. Mas foram cerca de 6 ou 7 canções tocadas e depois repetidas para escolha da melhor versão para o álbum, algumas já com policiais à espera do fim após dezenas de, pasmem, reclamações da vizinhança.
18. Barulho lindo
Os Beatles vinham de pelo menos três eternos anos sem uma única apresentação ao vivo. Montaram uma sonzeira em cima do prédio da Apple para essa volta. Iniciaram o show e rapidamente um público começa a se aglomerar na rua abaixo. Repórteres da produção perguntam sobre o show, sobre as músicas e sobre a banda, mas as respostas são tão incrivelmente indiferentes àquele momento histórico, que chega a surpreender.
19. Pensem bem
Gente, eram os Beatles, de graça, ao vivo e com o material inédito! Mas parecia mesmo o fim. O pouco entusiasmo de uma população então histérica apenas três anos antes, mostrou que naquele 1969 havia tanta novidade no pop, no rock e no som mundial que os Beatles já não eram o mesmo fenômeno de antes.
20. And in the end…
The Beatles: Get Back é um documento muito mais que um documentário. Não muda nem revela nada significativo à história da música. Mas é um presente de natal aos fãs da banda. Um registro bem maior, mais completo e mais apurado que o filme Let it Be. Não acho que o diretor quis amenizar um clima hostil da banda. São seis horas de doc! Penso ser um retrato fiel daquele momento, por vezes divertido, por vezes tenso, mas sempre gostoso de se ver quando se é fã da maior banda de todos os tempos.
1 Comment
E um documentário não é reportagem ou filme de ficção…