Pouca gente, hoje em dia, comunica-se através de cartas. Dá-se preferência ao telefone, à internet. É o avanço tecnológico. Já se fala, mesmo, no advento de uma civilização ágrafa, e que não apenas a carta, mas, de modo geral, a palavra escrita tornar-se-á obsoleta.
Eu me confesso, desde logo, nostálgico da velha e boa carta. Considero-me um dos sujeitos menos ágrafos sobre a face da terra…. Sempre atendo ao chamado das letras, embora na certeza de que, para expressar-me terei de entrar em luta com elas.
Claro, mantenho correspondência, de natureza literária, com escritores cujas cartas guardo cuidadosamente.
Há tempos, remexendo em meu arquivo pessoal, veio-me a ideia de publicar uma seleção dessas cartas. Refleti: por que deixá-las na gaveta se algumas constituem-se em pequenas obras de arte?
A ideia concretizou-se num volume, que saiu em edição limitada, fora de comércio sob o título O Chamado das Letras.
Trinta e três cartas compõem o livro, devidamente anotadas, sendo que algumas de autores vivos e atuantes (Assis Brasil, Hildeberto Barbosa Filho, Iran Gama, Jarbas Martins, Nei Leandro de Castro) e outras de escritores já falecidos (Ariano Suassuna, Cosme Lemos, Fagundes de Menezes, Homero Homem, Manuel Onofre de Andrade, Nilo Pereira, Nilson Patriota, Paulo Pimenta de Mello, Pedro Simões Neto, Raimundo Nonato da Silva, Umberto Peregrino, Vingt-un Rosado) e nove de meu próprio punho, salvas da cesta do lixo.
Em 2015, saiu a 2a edição (Natal, CJA), em parceria com Thiago Gonzaga, que escreveu substanciosa introdução. Acrescentamos cartas de cinco escritores (Clauder Arcanjo, Genival Rabelo, Hudson Paulo Costa, Mário Gerson, Murilo Melo Filho) e excluímos as de minha autoria, além de outras.
Bastidores da vida literária
Há nessas cartas revelações interessantíssimas sobre os bastidores da nossa vida literária. Isso é que, com certeza, despertará mais atenção. Mas, também, há, em meio à “conversa epistolar”, reflexões, tiradas poéticas, informações várias, mil coisas mais.
Creio que essa seleta, se outros méritos não tiver, valerá como documento não só para a História da vida literária, mas, também para a biografia de alguns dos seus vultos mais importantes.
Vejamos a seguir uma amostra significativa, com diversos fragmentos.
ARIANO SUASSUNA
Dramaturgo, ficcionista e poeta, membro da Academia Brasileira de Letras, diz:
“Não sei se você sabe disso, mas meu bisavô era pernambucano, da família Cavalcanti de Albuquerque. Era do ramo que tinha o apelido de Suassuna e foi quem, da família, em 1822, por nativismo, adotou o nome indígena. Ele foi para o Rio Grande do Norte, muito moço, com um seu parente mais velho que ia governar o Estado. E aí, no Rio Grande do Norte, terminou se fixando, como boiadeiro e criador de gado. Dessa maneira, meu avô paterno, Alexandrino, nasceu na Serra do Martins. Meu Pai e eu é que nascemos na Paraíba, mas a família Suassuna ainda hoje é “fronteiriça” – um pedaço em Catolé do Rocha, outro distribuído pelo Rio Grande do Norte, principalmente no Patu”. (Recife, 21-06-1974).
ASSIS BRASIL
Ficcionista, ensaísta, crítico literário:
“Aqui vai a lista provisória dos poetas da terra para a antologia “A Poesia Norte-rio-grandense no Século XX”. Veja aí; talvez possamos acrescentar mais uns seis ou sete nomes e / ou subtrair outros. Deixo isso a seu critério que está mais “próximo” do que eu.
Talvez possamos incluir Cosme Lemos e / ou Martins de Vasconcelos, representando Mossoró. Precisaria então de dados bibliográficos deles” (Rio de Janeiro, 14-10-1996).
O livro “A Poesia Norte-rio-grandense no Século XX” foi publicado em 1998 (Rio de Janeiro: Imago Editora / Natal: FUNCART), com organização, introdução e notas de Assis Brasil. Ao elenco inicial juntaram-se mais dois poetas de Mossoró, Aécio Cândido e R. Leontino Filho.
CLAUDER ARCANJO
Ficcionista, cronista, poeta e editor:
“As cartas aos amigos, além de nunca serem ridículas, são o melhor bálsamo para as torpes querelas do mundo. Querelas que querem nos levar aos esgotos do pessimismo, mas nós, sonhadores, não somos de esgotos. Podemos até, como dizia Baudelaire, sermos meio desengonçados no solo, mas nas asas de um texto, de uma poesia, transmutamo-nos em bela ave, nem sombra do albatroz desajeitado.” (Mossoró, 18-06-2004).
COSME LEMOS
Poeta:
“Vou, aos 75 anos, de ar tranquilo no meu dever profissional cumprido, sentindo a vida em fuga, ao sabor do câncer e da esclerose e, INFELIZMENTE, dúbio na crença, mas amando (muito !!) ao meu DEUS-HOMEM-JESUS.
A morte vem pertinho…” (Natal, 30-08-1979).
FAGUNDES DE MENEZES
Jornalista, ficcionista e poeta:
“Estou para publicar um livro de poemas que é uma espécie de reação a essa poesia, cerebral geométrica às vezes e ás vezes charadística, tão frequente nos últimos tempos. Uma reação consciente a versos que, a meu ver, não constituem poesia, antes disfarçam a indigência mental de seus autores. Creio que precisamos de um neo-romantismo, sem o sentimentalismo de alguns românticos e, ao mesmo tempo, de uma poesia sem a rigidez formal dos parnasianos.” (Rio de Janeiro, 06-04-1998).
HOMERO HOMEM
Poeta e ficcionista:
Falando sobre o seu livro “Terra Iluminada”: “Nosso estado, teve e tem muitos bons poetas. Mas senti que faltava um livro de poesia abrangente, pegando tudo de essencial reduzido a estado de puro lirismo: histórico, geográfico, psicológico, social, compromissado e/ou puramente humano, humanamente descompromissado e/ou compromissadamente político”. (Rio de Janeiro 07-11-1978).
Terra Iluminada, única obra poética que tem o Rio Grande do Norte, totalmente como tema, publicou-se em 1979 (Rio do Janeiro: Presença Editora/ Natal: UFRN).
JARBAS MARTINS
Poeta e escritor:
É a vida, amigo, que no final é isto mesmo: busca, reencontro e dispersão. O que nos marca mais na vida é o seu caráter transitório. Nascemos sob o signo da perda: do paraíso, do ventre materno. O resto são desvios para não darmos com a Perda Final (Açu, 17-03-1978).
NEI LEANDRO DE CASTRO
Poeta e ficcionista:
“Estou alinhavando um novo livro de poemas, chamado Diário Íntimo da Palavra, algo um tanto diferente do que tenho feito nos últimos livros que publiquei. É, como diz o título, uma espécie de diário íntimo em forma de poesia, confissões poéticas, a intimidade da palavra. Mas eu acho que não trato a poesia como ela merece. Desprezo-a como quem despreza uma amante linda, terna, eterna, etérea, maravilhosa. E o mais estranho é que, quando volto para ela, depois de mil pelejas com o romance, ela me recebe de braços abertos, de pernas abertas, com todos os beijos de sua boca”. ( Rio de Janeiro, 06-01-1995).
VINGT-UN ROSADO
Escritor, polígrafo e animador cultural:
Referindo-se ao então diretor da Escola Superior de Agronomia de Mossoró:
“O diretor entende que a ESAM não pode perder tempo com a Coleção Mossoroense, embora nos 2.281 títulos publicados, mais de 500 digam respeito às ciências agrárias, cerca de 1.000 títulos (livros, folhetos e artigos) ao problema da seca.
Não tenho certeza se o trabalho que comecei em 1948 ainda vai muito longe” (Mossoró, 14-04-1993).