Descanse em paz (sobre cemitério de livros e o Centrão de Natal)
Cultura para todos pode ser um lema vazio. Se duvida, corra para a avenida Rio Branco, centro de Natal, e experimente entrar num dos vários sebos que se enfileiram naquela subida que vai dar nas antigas Pernambucanas, Banca Tio Patinhas, aquelas referências do que foi aquele mesmo centro décadas atrás.
Um após o outro, os sebos ali abertos parecem a mais irretocável representação da palavra decadência. Quando nada, porque atingem uma preciosidade que deveria livrar a todos nós deste mesmo fenômeno: a cultura.
Pense naquela cena do filme Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, rodado ali no Seridó. Um político boçal, pilantra e subletrado chega ao lugarejo e despeja, a propósito de se mostrar defensor da cultura, um caminhão de livros velhos, indistintos, literalmente desclassificados, como se fora um refugo de fim de feira, um lixo a ser reaproveitado, um leirão de ervas daninhas que, em lugar menos abandonado, só poderia causar mal às plantas decorativas em seus caros vasos.
No centro de Natal, avenida Rio Branco, subida rumo ao antigo Hotel Ducal, uma série de sebos improvisados – e esqueça o fato de o improviso ser um elemento natural dos sebos; não é disso que se fala – trata livros como batatas, restos, subprodutos, basculho pra usar uma palavra que fez furor no país da diversidade mal digerida. Apostilhas de concursos misturados com dicionários de sinônimos e antônimos, levas de Jorge Amados, best sellers internacionais esquecidos, manuais de tecnicalidades vencidas do Direito, Limas Barretos em profusão em edições baratas, tudo misturado em pilhas tortas, a um ponto da queda.
Estantes mal dispostas e arrumadas – ah, mas é um sebo, queria o quê? –, pobres donos ou funcionários incapazes de perceber um milésimo da importância de algo que por mero acaso esteja solto entre as mesas – como o Longa Jornada Noite Adentro, de Eugene O´Neill que eu divisei num golpe de vista e rapidamente agarrei com medo de que o livrinho fugisse de mim e se perdesse para sempre em meio à bagunça geral –, fora as cordinheiras de CDs, DVDs e LPs empoeirados.
Sim, os sebos enfileirados na avenida Rio Branco são só sebos, com obviedade e tudo. Naturalmente caóticos, sujos e malvados, ok. Mas tanto quanto não consigo vir a Natal e deixar de dar uma passadinha lá. Também pra mim é inevitável estar ali e deixar de chegar a lamentáveis construções mentais: perdida no tempo e abandonada pela classe média, a região central da cidade – como ocorre no geral das cidades grandes e médias; novamente não é disso que se trata – reserva um tratamento especial para os livros. São eles que me doem, é deles que me vem essa piedade. Largados de qualquer maneira, sem um mínimo de classificação por uma gente que, tristemente, tenta deles tirar a sobrevivência possível.
Tais livros, em tais sebos – aos quais sempre volto, pois sempre posso encontrar, como desta vez encontrei, uma biografia interessante como Uma Vida, do dramaturgo norte-americano Arthur Miller – a mim lembram uma forma de cemitério. Não o cemitério de livros clássico de A Sombra do Vento, de Carlos Ruiz Zafón, autor espanhol cultuado mundo afora. Cemitério mesmo, porque o que eu resgato ali são livros que de outra forma poderiam ser vistos como cadáveres dos indivíduos de lombada, capa, folha de rosto e páginas cheias de manchas de textos do que um dia foram.
Muitos ali perderam a validade, é fato; mas tantos outros, caso você tenha paciência de garimpar, são como pessoas inteligentes, articuladas, sensíveis e poeticamente soberbas que estão sendo enterradas vivas.
Não tenho o direito de falar mal dos coveiros – tão miseráveis economicamente e culturalmente quanto o ambiente todo, de salas semidestruídas, certamente de aluguel barato, os espaços que a cidade, no seu caminhar financeiro dos tempos, foi tornando obsoletos.
O moço que me tratou com gratuita simpatia num desses depósitos informou cheio de animação que tem outro sebo em Fortaleza e que breve estará trazendo muito mais livros para seu ponto em Natal. E como que adivinhando meu pensamento, disse quase se desculpando que não tem condições de arrumar corretamente, não sabe separar os volumes. Eu quase me ofereci pra fazer este serviço para ele. Por certa empatia que surgiu naquele momento entre ele, eu e os livros ao redor.
De alguma maneira ele está dando uma contribuição aos livros, é preciso admitir. Ainda que isso torne ainda mais lamentável o quadro todo.
O centro de Natal ficou para trás e sobrevive como pode. Tem sapatarias baratas, uma profusão de lojas de trecos eletrônicos, restos do que foram amplas lojas de roupas ou departamentos, toda sorte de comércio paralelo. Tudo isso faz parte da realidade das cidades brasileiras, dos centrões do país – com tudo o que esta palavra, centrão, no país, representa pra quem vive na antiga Terra de Santa Cruz.
Mas quando esse aplicado trabalho de decadência – ela é caprichosa, age nos detalhes, já dizia João Moreira Salles, o criador da revista Piauí, no texto escrito para a série documental América, que a TV passou nos anos 80 – chega nos livros, dói.
Preciso só dizer que, claro, há sebos em Natal com mais tradição, mais cuidado e muito mais respeito pelos livros, porque geridos por gente que não ignora o valor da mercadoria de onde extrai, para além de conhecimento e prazer, o dinheiro também necessário para viver.
De uma maneira ou de outra, gosto tanto de livros que sempre capitulo ante esses depósitos aspirantes a se tornarem sebos de verdade. Você sempre poderá me encontrar meio perdido na subida da Rio Branco, zanzando por um deles. Chamando mentalmente por um autor abandonado, um ensaio esquecido, um romance descartado. Como ocorreu desta vez com Eugene O´Neill e Arthur Miller, de vez em quanto eles acordam em meio às pilhas e escutam meu chamado. E pulam cá fora pra viver mais um tiquinho.
Paula Belmino fala sobre literatura infanto-juvenil nesta segunda
A poeta e escritora Paula Belmino é a quarta participante do ciclo de videopalestras promovido pela 7ª Temporada da Caravana de Escritores Potiguares.
Convidada a falar sobre “literatura infanto-juvenil”, a intervenção de Paula estará disponível no canal do projeto, no Youtube, e, também, nas páginas do Facebook e do Instagram, a partir desta segunda-feira, 22, às 19h.
Com a eclosão da pandemia da Covid-19 e a consequente necessidade de isolamento social, a Caravana de Escritores Potiguares adquiriu um novo formato. Impossibilitados de visitar as escolas para dialogar diretamente com alunos e professores, os escritores participantes do projeto estão gravando depoimentos sobre temáticas variadas, que vão das características dos gêneros literários aos processos de criação.
O material é postado semanalmente, sempre às segundas-feiras, e pode ser assistido a qualquer tempo.
Caravana de Escritores Potiguares
A Caravana de Escritores Potiguares é um projeto social sem fins lucrativos, que conta com patrocínios da COSERN e do Governo do Estado do RN, viabilizados pela Lei “Câmara Cascudo” de Incentivo à Cultura.
A iniciativa foi criada em 2013, e visa, originalmente, incentivar o hábito de leitura e divulgar a produção literária norte-rio-grandense, promovendo atividades interativas em comunidades escolares das redes públicas federal, estadual e municipais do RN.
Distribuição de livros
Com a mudança de formato, a distribuição de livros também precisou ser alterada. Nesta 7º temporada, ao invés dos concorridos sorteios, será realizada uma única doação.
Segundo o coordenador do projeto, escritor Thiago Gonzaga, a escola beneficiada será o Instituto de Educação Superior Presidente Kennedy – Centro de Formação de Profissionais da Educação (IFESP).
O acervo reúne 20 títulos com cerca de 500 exemplares e deverá ser entregue no início da segunda quinzena de março.
Paula Belmino
Poeta e escritora, graduada em pedagogia pela UFRN, Paula Belmino atua na rede de ensino do município de Lagoa Nova, na região do Seridó. Por mais de cinco anos, trabalhou nas redes estadual e municipal de ensino, em São Paulo.
É mediadora de leitura e autora dos livros: “Bem Poesia” pela Editora Delicatta, e “A Menina Que Sabe Chover”, livro infanto-juvenil, publicado pela Editora Inverso, que retrata o regionalismo e toda riqueza do sertão nordestino.
Paula Belmino também participa de antologias publicadas pela UBE-RN, SPVA-RN, Casa da Poesia e Literarte.
SERVIÇO
O quê?
Caravana de Escritores Potiguares (Temporada 2020/21)
Videopalestra com a poeta e escritora Paula Belmino
Onde?
Youtube: caravanadeescritorespotiguares ou https://www.youtube.com/channel/UClniHqRVdvjpinhpBwOohDQ
Facebook: @CaravanaDeEscritoresPotiguares
Instagram: @caravanadeescritoresrn
Quando?
A partir de segunda-feira, 22/02, às 19h00
FOTO: Rio de Leitura
Projeto visa inserção de pessoas com deficiência pela arte-cultura
O projeto DiverCidade Potiguar promove uma ação virtual que visa contribuir com os debates e políticas voltadas às pessoas com deficiência no Rio Grande do Norte pela arte-cultura. Será nesta quinta-feira (25), às 10h, através da plataforma digital de acesso gratuito Youtube, no canal Diversidade Potiguar.
O “DiverCidade Potiguar: A inclusão pela arte-cultura” pretende fortalecer os debates e as políticas voltadas às pessoas com deficiência no estado potiguar e contribuir pra o combate ao preconceito, ampliando a noção de acessibilidade, protagonismo e cidadania para estas pessoas.
O projeto começa com a exibição da gravação em vídeo do espetáculo teatral Auto Um Cordel de Natal, seguida por uma roda de conversa com os seus produtores e participantes.
O Auto foi produzido por artistas potiguares do teatro e da literatura de cordel junto às pessoas com deficiência e sofrimento mental que frequentam o Centro de Convivência e Cultura de Natal – um serviço da rede de atenção psicossocial da capital. A apresentação contou com sessão única que aconteceu no palco da Casa da Ribeira em dezembro de 2018.
A sessão-debate tem duração de 60 minutos e, além do vídeo, traz a participação do diretor teatral Francesco Rodrix e do cordelista Helio Gomes, responsáveis pelo roteiro; e da psicóloga Patrizia Selfes, e da conviva Antônia, do Centro de Convivência, atrizes da peça. A conversa será mediada pela produtora cultural e psicóloga Marcelle, que também participou ativamente da produção do espetáculo.
Serviço
O quê: Sessão-debate online do projeto DiverCidade Potiguar
Quando: 25 de Fevereiro (quinta-feira)
Horário: 10h00
Onde: Youtube – Canal DiverCidade Potiguar
Contato: Para entrar em contato, ligue (84) 99918-5787 Marcelle ou mande e-mail para divercidadepotiguar@gmail.com
FOTO do espetáculo: Ana B. Cortez Gomes e Daniel da Silva Souza.
Para amanhecer poesia de Paula Belmino
PALAVRA
As cordas do meu coração
vibram uma palavra
a cantar o indizível.
E em silêncio, ali escondida
sentimentos mil ecoa
embora adormecida
a gravidez da palavra desponta:
Uma melodia viva de empatia
tessituras mil,
os anseios do mundo.
Sons de pássaros voam longe e aqui
dentro de mim, nessa palavra absolta e gestante
a dar a luz
iluminando os sonhos das crianças,
e os desejos dos mais velhos,
traduzindo o perfume de flores raras que já dormem
pra germinar plantas novas.
Há uma palavra nas cordas do meu coração a encantar
e romper o vazio de meu ego
tornando linguagem plena,
a bradar e convencer
ali envolvente em mistérios
no átrio do meu peito:
o amor.
(Paula Belmino)
Contato
E-mail: Sergiovilarjor@gmail.com
Celular / Zap: (84) 9 9929.6595 Fale Conosco Assessoria Papo Cultura