Cucumber Castle foi lançado em abril de 1970, em meio à primeira grande crise dos Bee Gees. A banda tinha perdido Robin Gibb, o brother responsável pelos vibratos celestiais que marcaram os hits dos primeiros álbuns do grupo. O guitarrista Vince Melouney tinha saído no ano anterior. O baterista Colin Petersen também partiu no meio das gravações. Restou aos irmãos Barry e Maurice a difícil tarefa de juntar os cacos e seguir adiante.
A ideia de criar um especial de TV que servisse de suporte para a veiculação das novas canções parecia interessante, mas logo se configurou em um grande pesadelo. Gravado com a participação da cantora Lulu e da banda Blind Faith, e de lendas como Vincent Price, o curta da BBC era, na verdade, uma comédia pastelão de ambientação medieval com um humor britânico difícil de ser compreendido até por quem gostou do surrealista “Magical Mystery Tour” dos Beatles. Pior: havia pouca conexão do enredo bizarro com as músicas apresentadas. O resultado foi um fracasso.
Diante de tantas adversidades o que restava para Barry e Maurice? Uma obstinação radical em não deixar a banda morrer. E um disco composto por mais de uma dezena de canções absolutamente sublimes em estilos que vão das baladas, do Folk, do Soul, country, do pop idiossincrático, até o flerte com o barroco e o erudito.
Na ausência de Robin, Barry canta como um clássico crooner no limite de interpretações emocionais carregadas por um brilhantismo que supera muito de seus melhores momentos até então. Maurice ajuda nas excelentes vocalizações e descortina um gigantesco universo de instrumentos tocando violões, baixos, pianos, órgãos, mellotrons e bandolins num perfeccionismo que beirava à histeria.
Em Cucumber Castle é bastante perceptível a influência sonora de Beatles, Procol Harum e The Moody Blues na formatação melódica da primeira fase dos Bee Gees, mas neste álbum em particular, eles mergulham num som mais próximo ao de Crosby, Stills, Nash & Young, Joni Mitchell e Gram Parsons. No entanto, o resultado final apresenta também uma reafirmação das características musicais essenciais da banda nesta fase.
Na falta de um guitarrista de ofício, não há solos de guitarra nas canções. Ao invés disso, o que se observa é uma abordagem que valoriza os instrumentos acústicos tocados com maestria por Maurice e Barry e adornados por arranjos orquestrais.
Num cenário marcado pelo espetacular Hard Rock nascente de bandas como Led Zeppelin, Deep Purple e Black Sabbath, ou das incríveis viagens progressivas do Yes, Pink Floyd e ELP, os irmãos Gibb pareciam incômodos fósseis em seu disco de baladas carregadas de sentimentalismo desmedido e paixão desenfreada. Assim, “Cucumber Castle” teve um fraco desempenho nos charts ingleses e sobretudo, americanos e sucumbiu a um limbo na história do Pop. Em meio às pressões artísticas que cercavam todos, Robin Gibb voltaria à banda no início do ano seguinte. Um sinal de alento e um recomeço para os Brothers Gibb.
Mais de 50 anos após seu lançamento, o trabalho começa, mesmo que lentamente, a ser revisto por críticos e músicos contemporâneos. Em uma entrevista recente, Bono comparou essa fase dos Bee Gees aos Beatles dizendo sem ironia, que o catálogo do grupo o deixava “doente de inveja”.
A opinião do vocalista do U2 parece reverberar nos meios artísticos e no jornalismo musical do século XXI e faz crescer a ideia de um relançamento em novos formatos de mídia para estes álbuns. Até porque metade da humanidade só conhece os irmãos Gibb depois de sua conhecida guinada para a discomusic e sua exaustiva veiculação de clipes coloridos, cabelos longos, dentes grandes, medalhões e vocais em falsetes estridentes mantidos por 120 batidas por minuto que os levou ao estrelato mundial no fim dos anos 70. Uma pena.
Num mundo cada vez mais marcado por obras musicais aleatórias e impermanentes, a tarefa de redescobrir “Cucumber Castle” parece uma corrida a um tesouro perdido. É a exploração de um território de grandes canções esquecidas e inacreditavelmente belas. Ouçam com fones de ouvido em qualquer formato. Na madrugada… sem interrupções.
Cucumber Castle – Faixa a Faixa
1. IF ONLY I HAD MY MIND ON SOMETHING ELSE:
Balada orquestral ultra melódica com celestiais harmonias na linha Beach Boys fase “Pet Sounds”.
2. I.O.I.O.
Rock com levadas de violões e congas possivelmente influenciada por “Ob-la-di Ob-la-da” dos Beatles. É o ponto mais fraco do álbum. Lançada em single, foi sucesso em diferentes pontos do planeta. Brasil, incluído.
3. THEN YOU LEFT ME
Balada colossal com bandolins e orquestras pontuando um vocal em crescendo dramático excepcional de Barry.
4. THE LORD
Sátira country composta para o especial de TV. Grosseira e deliciosa, lembra um outtake de Dylan da fase “Nashville Skyline”.
5. I WAS THE CHILD
Começa lacrimosa com o piano de Maurice e descamba num refrão épico capaz de arrepiar pedras. Mais uma vez Barry Gibb prova que possuía uma das vozes mais emblemáticas do final dos anos 60. Uma das mais belas e tristes baladas de toda a discografia da banda.
6. I LAY DOWN AND DIE
Bateria com eco, vocais viajantes, órgãos maravilhosos, piano martelando, pandeirola Byrds e orquestra fechando um ciclo de arranjo celestial. Psicodelia pop barroca.
8. BURY ME DOWN BY THE RIVER
Soul gospel cativante que se arrasta como blues. Vocal perfeito de Barry, antecipando os grandes momentos de Lennon na carreira solo. Belo coral feminino em contraponto.
7. SWEETHEART
Classic country ballad com ecos de Kinks e McCartney. Melodia cativante e grudenta. Um deleite para ouvidos carentes de boas melodias.
9. MY THING
Lindo vocal de Maurice. Piano e violões a la Nick Drake. Soft jazz com pequenos ecos de Bossa Nova e baixo circular e viajante no final. Melancolia na medida perfeita. Um dos melhores momentos do especial da TV.
10. THE CHANCE OF LOVE
Da linha vocal ao compasso marcial da bateria, boa parte lembra a fase clássica de Roy Orbison na Monument Records. Lindo órgão ornamentado por Glockenspiel. Orquestração celestial
11. TURNING TIDE
Mais melancolia deprê numa linha que provavelmente não deve ter passado despercebida para bandas de décadas posteriores como Cowboy Junkies e Portishead. Vocal sussurrante de Barry em mais um resultado arrebatador.
12. DON’T FORGET TO REMEMBER
Balada de fechamento e provavelmente a canção mais famosa do álbum, alcançando o número 2 dos charts ingleses. Xilofones cintilantes e lindas harmonias vocais com Barry e Maurice em performance de alto estilo.
LEIA TAMBÉM: